sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sem controle social, os ratos sobem na mesa - tortura em Aracruz

                        Gilvan Vitorino C. S.

Todas as atrocidades do sistema prisional do espírito Santo recrudesceram (aumentaram muito) quando o controle social foi impedido de exercer seu papel fiscalizador.
Foi quando, por exemplo, proibiu-se que o CEDH-ES entrasse nas unidades prisionais que aconteceram os piores atos contra a dignidade humana dos indivíduos encarcerados.
Sem controle social os ratos abundam; sem controle social os ratos abundam e sobem nas mesas...
E foi uma Portaria da SEJUS – ES que produziu tal impedimento das atividades da sociedade civil de controle dos atos do Estado.
Por décadas, a sociedade civil denunciou a falência do sistema prisional do estado, mas o pacto de silêncio entre as autoridades públicas estatais favoreceu a não responsabilização dos envolvidos nos crimes, a deterioração das condições dos presídios e a impunidade dos executores de defensores de direitos humanos. Em 2006, o sistema prisional do Espírito Santo sofreu um colapso e rebeliões aconteceram em unidades de todo o estado. Apesar de o caos e a violência nos presídios terem ganhado visibilidade nacional, o governo foi incapaz de apresentar soluções para os problemas estruturais do sistema e combater as práticas violadoras do Estado, que se intensificaram. Uma portaria estadual impediu a sociedade civil de adentrar os presídios para realizarem a monitoria e a fiscalização. O Conselho Estadual de Direitos Humanos do Espírito Santo precisou ajuizar uma ação judicial para revogá-la, conseguindo, por fim, derrubar essa portaria por meio de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). (http://global.org.br/wp-content/uploads/2011/06/SistemaPrisionalES_2011.pdf. Acesso em: 24 fev 2012)
Por tratar-se de uma instituição em que não chega a lei, a mesma lei que condenara o indivíduo ao encarceramento, manter rigorosa vigilância exercida pela sociedade é imperioso.
Ora, a prisão não é uma instituição que pratica uma violência que necessita ser velada (não sabiam que estavam sendo filmados no CDP de Aracruz? Sabiam, acho eu, mas estavam orgulhosos do que faziam). Segundo Foucault, "a prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica [...]" (Vigiar e punir, 26ed, Vozes, p. 214)
Não há um autor do castigo: ele está nas cartilhas, nas Portarias, no “procedimento”. Há um modo de praticar uma violência “legitimada”.
Pra ficar claro: o sistema prisional, pois composto por instituições totais, tem regras próprias. Algumas estão escritas, embora afrontem a Lei de Execuções Penais e a CF, outras são costumeiras, da experiência do sistema, ensinadas nos cursos de formação...
Tem razão a servidora quando bradou, ao ouvir, em evento promovido pela própria SEJUS-ES (na Semana de direitos Humanos, em 2011), sobre as restrições ao uso de algemas (debate provocado não pela SEJUS-ES, é claro, mas por representantes da Pastoral Carcerária): “assim, como vamos trabalhar?”
É isso mesmo: a legalidade atrapalha o trabalho da execução das penas de prisão! A lei não chega lá... O que chega lá, no interior das prisões, repito, ou é um regramento escrito mas ilegal, inconstitucional, ou um regramento da experiência.
No vídeo que mostra a violência no CDP de Aracruz, há uma passagem emblemática: o agente grita para o preso: “você está me copiando?”. Ora, mas não estava escuro? Certamente, o agente não poderia ser reconhecido...
Então, há práticas que se impõem pelo fato de que é preciso afirmar a hierarquia. O preso é menos que nada. E um “menos que nada” não pode olhar para o agente... (lembra-se do súdito que não podia olhar para o rei?).
Uso de algemas: algemam o preso dentro das celas. Para não fugir? Claro que não; algemam-no para que ele se sinta como “menos que nada”. Loïc Wacquant (Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p.95) já disse que o objetivo é “Make prisoners smell like prisoner” (fazer o preso cheirar a preso). Um preso algemado está humilhado, como quer o poder punitivo. Preso tem que ter cara de preso...
E, se Foucault percebeu que “[...] o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica [...]” nas unidades prisionais, imagina às escuras, na calada da noite!
Em Aracruz, os ratos... subiram na mesa.
E rato geralmente sobe na mesa de noite.
O que se chama de “procedimento”, pois tão bem assimilado pelos agentes, primeiramente, e pelos presos, em seguida, eu chamo de tortura.
Mas é uma tortura que pode ser praticada de dia, até diante de câmeras... Andar com os joelhos dobrados, agachar... sendo chamado aos gritos!
Mas, agora, o procedimento extrapolou. Todavia, o procedimento que extrapolou foi esse que foi filmado... Pois é normal que o procedimento extrapole.
Em Aracruz fizeram dele um abuso...
E ninguém sabia que isso era praticado...
O Secretário Ângelo Roncalli não sabia...
Os Juízes da execução penal de Aracruz – o de ontem e o de hoje – não sabiam...
Breve relato de algo estranho no ar
Ao longo do ano de 2011, iniciamos diligências – o juiz da Coordenação de Execuções Penais do TJ-ES, representantes da Pastoral Carcerária do ES, entre outros companheiros – estado afora para a implantação dos Conselhos da Comunidade nas Comarcas onde há unidades prisionais.
Tentamos por duas vezes esforços em Aracruz para que o Conselho da Comunidade daquela Comarca fosse instalado.
Em todas essas reuniões feitas em Aracruz, com pessoas interessadas em participar, encontramos um problema: mais da metade delas era de servidores da SEJUS-ES que trabalhavam no CDP de Aracruz!
Para essas reuniões foram “enviados” vários servidores. Estiveram por lá a diretora adjunta, o chefe da segurança, o assessor jurídico, a psicóloga, a assistente social...
Jamais vi tamanho interesse de um grupo de servidores em participar de um coletivo que tem a precípua função de participação da sociedade na execução  das penas privativas de liberdade. Ora, como poderia um Conselho da Comunidade, que pode e deve entrevistar presos e familiares para averiguar as condições do encarceramento, funcionar bem com a presença daqueles que servem ao secretário de justiça? Não haveria interesses em confronto?
Em Aracruz, o juiz da execução penal jamais participou de nenhuma dessas duas reuniões realizadas, capitaneadas pelo Juiz de Direito Dr. Marcelo Loureiro.
Ora, em Aracruz, o controle social jamais chegou à execução penal, pelo menos aquele representado pelo Conselho da Comunidade.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Depoimento, dever do idoso

              João Baptista Herkenhoff
A meu ver,um dos mais importantes deveres das pessoas mais velhas é o dever de prestar depoimento, testemunhar valores, dizer sobre aquilo que o depoente acredita ser correto.

Essa obrigação alcança todos os idosos, não importa a profissão que exerceram ou ainda estejam exercendo.

É possível depor sobre todos os aspectos da vida (uma espécie de autobiografia), ou apenas sobre um ângulo da existência, ou sobre um fato isolado.

O mais importante, para que o depoimento seja válido, é que seja sincero, ainda que possamos incorrer em falhas ou omissões por lapso de memória. Aliás, ter alguns esquecimentos é um dos direitos das pessoas de Terceira Idade.

O depoimento que presto a seguir refere-se a um aspecto da vida, a uma atividade desempenhada.

Fui membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, convidado para esse encargo pelos bispos Dom João Baptista da Mota e Albuquerque e Dom Luís Gonzaga Fernandes. Naqueles tempos, em inúmeras situações concretas, a palavra oficial da Igreja foi expressada pela Comissão Justiça e Paz, por entenderem os Bispos que, diante de algumas matérias, a palavra mais apropriada devia ser dita por um organismo eclesial leigo.

Depois de convocado para a CJP pelos Bispos, fui eleito seu presidente, pelos companheiros que integravam referida Comissão.

Pelo fato de estar exercendo a presidência da Comissão de Justiça e Paz respondi a processo disciplinar perante o Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão que processa magistrados por condutas que sejam consideradas desvios éticos.

Entendiam os desembargadores que, como magistrado da ativa, não podia presidir associações. Não entenderam, ou não quiseram entender, que a Comissão de Justiça e Paz nãoera uma associação, mas um organismo de Igreja.

Quando recebi a intimação para a audiência, feita pelo Oficial de Justiça, em minha residência,telefonei para Dom Luís Gonzaga Fernandes pedindo que me aconselhasse sobre como eu deveria me defender.

Dom Luís aconselhou que eu abrisse o Evangelho e lesse aquela passagem: Quando fordes chamado a tribunal por causa do meu nome, não vos preocupeis com o que haveis de dizer. O Espírito vos soprará.

Fiz o que o Bispo sugeriu e pensei: se D. Luís disse que basta isso, estou preparado.

Perante a Corte, invoquei simplesmente a inviolabilidade da consciência para me isentar de punição.

O meu julgamento foi realizado em segredo de Justiça. Hoje posso contar isto porque estou aposentado. Se na época revelasse esses fatos, responderia a novo processo, desta feita por violação de segredo de Justiça.

Felizmente, pelo voto do Desembargador Homero Mafra, hoje falecido, fui absolvido. Se tivesse sido condenado, poderia ter sido excluído da magistratura ou recebido uma outra penalidade.

Integrei e presidi a Comissão Justiça e Paz quando o Brasil estava submetido a uma ditadura.

Em nome da Fé, eu e meus companheiros enfrentamos perigos. Um dos maiores sofrimentos pessoais que tive foi a ameaça de sequestro de meu filho único, fato que felizmente nãose concretizou.

A Comissão de Justiça e Paz posicionou-se contra todos os abusos que então eram praticados, tanto em nível nacional, como na reprodução local desses abusos.

Um dos heróicos membros da Comissão foi o Dr. Ewerton Montenegro Guimarães, hoje falecido, que lutou bravamente contra o Esquadrão da Morte. Certo dia o Dr. Ewerton, em conversa ocorrida na minha residência, disse: Dr. João, eu tenho dúvida de Fé, eu não tenho certeza da existência de Deus. Respondi ao Dr. Ewerton: meu caro Ewerton, a Fé não é uma proclamação verbal. Você é um homem de Fé porque sua vida é uma vida de luta pela Justiça e a Justiça é manifestação de Deus. Tem Fé quem ama o próximo, mesmo sem proclamar o nome de Deus. Não tem Fé quem bate com a mão no peito e ignora o sofrimento dos irmãos.

João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado aposentado, professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e palestrante Brasil afora. Autor de: Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, SP, 2011).

E-mail:jbherkenhoff@uol.com.br

Homepage:www.jbherkenhoff.com.br

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Pequeno traficante não vai mais para prisão

Nova resolução suspende trecho da lei que proibia trocar cadeia por pena alternativa
                           Rodrigo Burgarelli, de O Estado de S. Paulo
19 de fevereiro de 2012 | 0h 14
Uma resolução do Senado publicada nesta semana abriu brecha para que pequenos traficantes possam cumprir penas alternativas, em vez de ficar na prisão. O ato suspendeu um trecho da legislação de entorpecentes que proibia a conversão do cumprimento de pena na cadeia nos casos de tráfico de drogas em punições mais leves, como a prestação de serviços comunitários. A decisão foi tomada a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que essa proibição da troca de penas era inconstitucional.
Aprovada em 2006 pelo Congresso e envolta em polêmicas discussões, a lei de entorpecentes ficou famosa por endurecer as punições a traficantes – a pena mínima para o tráfico subiu de 3 para 5 anos, por exemplo – enquanto abrandava as penas voltadas aos usuários de drogas.
O objetivo era combater o tráfico e, ao mesmo tempo, focar na recuperação do usuário. A nova resolução, porém, relativiza essas diferenças, permitindo que pequenos traficantes que sejam réus primários com bons antecedentes e não tenham vínculos comprovados com organizações criminosas também possam prestar serviços comunitários, de acordo com o julgamento de cada caso.
O STF já havia decidido em alguns casos que penas alternativas poderiam ser aplicadas aos traficantes – o entendimento é de que a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, ratificada pelo Brasil em 1991, é de hierarquia superior à lei e permite a adoção de sanções mais brandas. Agora que a resolução do Senado foi editada, todos os juízes estão obrigados a seguir esse entendimento – o que causou polêmica entre juristas, advogados e magistrados. "Isso é um desserviço ao combate ao tráfico. Estamos vivendo uma situação muito difícil, porque as penas restritivas de direitos são extremamente benevolentes", afirma o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo José Damião Cogan.
Segundo ele, a possibilidade de reduzir a pena de traficantes não é necessariamente ruim, mas deve ser usada com "parcimônia". "Conheço dois ou três juízes que aplicam penas mínimas sempre, não só em casos excepcionais. Vedar as penas restritivas foi longe demais. Acho que, do jeito que as coisas estão crescendo no Brasil, com droga a gente não pode brincar."
Liberais. Advogados e juristas que defendem a diminuição das prisões por causa de crimes mais leves, por outro lado, são favoráveis à mudança. "Defendo plenamente a conversão da pena em casos específicos. Quando são pequenas quantidades de drogas e não se trata de um traficante conhecido ou que tenha tido condenações reiteradas, a pena alternativa de prestar serviços à comunidade acaba sendo mais útil tanto ao próprio condenado quanto à sociedade", rebate o advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira.
Para ele, a pena de prisão deve ser exclusiva para quem causa graves riscos à sociedade. "A prisão pode ser uma escola do crime para pequenos traficantes sem antecedentes."

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Ainda, Alto Joeba, em Achieta-ES

                        Gilvan Vitorino C. S.
De terça feira – dia 07 de fevereiro – para quarta feira, dormi em Alto Joeba, lá em cima, cerca de 800m de altitude.
Lindo
Mesmo sob uma cobertura de Eternit, numa área de uma residência ainda em construção, já com um bom e generoso fogão a lenha, dormi sono de justo.

Aquela noite foi a noite da lua!

Não me lembro de ter presenciado uma noite tão dia! A lua se impôs, altiva...

Mas desconfio do que tenha acontecido, o que motivou a lua a abusar da luz enviada do sol: acho que foi porque eu e meu amigo João Alfredo (o proprietário do local) chegamos já depois de findado o dia. ”Então - deve ter pensado a lua -, que haja luz para que a beleza dessas montanhas não fique encoberta...”

A lua estava tão à vontade, com tanta disposição, solícita como jamais eu vira, que, mesmo já com o nascimento do sol, ela ainda podia ser observada bem a oeste.

Dessa vez, fotografei bastante para que minha admiração pudesse ser compartilhada.

Continuo a pensar, como suspirou meu tio: “esta vista só é experimentada estando num avião”. 
Para chegar lá em cima, percorre-se uma estrada ruim, mas muito ruim mesmo! Parece que aquele alto de montanha se insere naquilo (eis uma analogia possível...) que escreve Maquiavel: um Principado conquistado (portanto, com alguma dificuldade) conserva-se mais facilmente do que um Principado herdado.
E mais: depois que se chega, há muita coisa com a qual se ocupar, ao invés de ficar perdendo tempo lembrando do duro caminho.  
 

Veja as cidades de Guarapari, Anchieta, Piúma... Claro, só as luzes.

Esta foto acima, embora tenha truncado, foi tirada com um recurso de foto panorâmica de 360°, possibilitando mostrar, na mesma foto, o sol nascendo e a lua se pondo.

Eis o grande luzeiro nascendo.

Ei-lo.

Ainda ele. Tá vendo o mar?

E a lua se pondo. Já o relógio mostrava por volta de 06:20h

                                                         Não foi uma bela manhã?

Panorâmica de 180°
Ídem

Que vista é essa, hein?

Panorâmica

Panorâmica de 180°

Ainda.
Panorâmica de 360°
180°
A piscina que veremos adiante, fica nesta área verde, toda arborizada, como se fosse um oásis... É de um bom vizinho.



Ei-la, a piscina.

Uma água benta, por que não?







quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A tarefa de julgar

                 João Baptista Herkenhoff
Uma das grandes necessidades do ser humano é a segurança. Tudo que compromete o sentimento de estar seguro causa mal estar psicológico.

Não é por outra razão que algumas pessoas nunca se contentam com o primeiro parecer médico à face de uma enfermidade. Querem uma segunda e uma terceira opinião e só a unanimidade dos pontos de vista dos clínicos lhes proporciona tranquilidade.

Se a questão é jurídica, a diversidade, que se observa na interpretação das leis, incomoda e perturba: por que motivo dois juízes apresentam soluções opostas à face de um mesmo ponto?

Tentemos ajudar na reflexão.

Se a tarefa de julgar consistisse apenas em aplicar ao caso concreto a lei existente, essa operação meramente lógica seria muito simples. Tão simples que seria mais barato substituir os magistrados por computadores.

O jurista argentino Carlos Cossio operou autêntica revolução no campo do Direito, ao afirmar: O Direito é conduta, e não norma. Em consequência, não se pode conceber uma hermenêutica jurídica, senão do objeto jurídico – a conduta. Dentro dessa postura, o indivíduo julgado é integralmente substituído por sua fatalidade, ou contingência.

Sublinhou, com acerto, dentro dessa linha, Moura Bittencourt: “a necessidade do conhecimento pelo juiz do homem submetido a seu julgamento, muito mais do que o conhecimento dos autos.” E arrematou: “O legislador prevê os casos gerais, e é esse o destino da norma. Se o caso especialíssimo, não previsto, deve ser afastado da regra, cabe a palavra ao aplicador, que tem consigo a tarefa da vivificação do texto”.

Não é diversa a advertência luminosa de Alípio Silveira:

“O aplicador não deve encerrar-se no domínio da rígida lógica formal e não deve dar valor maior às inferências.”

Não discrepa o ensino clássico de Carnelutti: “O legislador tem as insígnias da soberania; mas o juiz possui as suas chaves.”

Triepel disse certa feita: “A lei não é sagrada; só o Direito é sagrado.”

De Manzini colhemos a afirmação de que o interesse de manter a chamada segurança jurídica não pode prevalecer sobre o interesse de fazer triunfar a Justiça substancial sobre a Justiça meramente formal.

Não se pode reduzir o juiz a mero porta-voz da lei, como queria Montesquieu.

O Direito não se esgota na lei. Esta revela, quando revela, uma de suas faces. Direito é fato social, vivo e palpitante.

Muito mais que um matemático ou um geômetra, o juiz é um artista e um pedagogo. Um artista, que usa a lei como argila, para construir poemas: poemas de vida, da vida pulsante que geme, chora e sua e que ecoa no pretório. Pedagogo porque educa, encaminha, aconselha, ama.

Não são apenas petições que vêm aos juízes: são lágrimas, são faces, é gente como a gente, mais sofrida quase sempre.

O autorizado Pontes de Miranda colocou a oposiçãp “direito dos juristas e direito do povo”. Não é um “subversivo” da ordem jurídica que nega o monopólio da lei como instrumento normativo da conduta mas um douto, que foi consagrado em todo o Brasil e que, aqui mesmo no Espírito Santo, recebeu o “Prêmio Muniz Freire”, concedido pela Associação dos Magistrados. Está no “direito do povo” que ser criminalmente processado é, inquestionavelmente, uma pena, no sentido de que aflige. Sintomático é constar dos termos de interrogatório que o acusado “nunca foi preso e nem processado”.

Em muitas situações, o simples fato de ser processado é para o acusado uma advertência suficiente, independente de uma efetiva condenação.

O juiz não é um aplicador mecânico da lei.

“A letra mata; o espírito vivifica”, disse o Apóstolo Paulo.

Toda norma penal contém uma advertência genérica, de disciplina social, que opera pela sua simples existência.

A aplicação da norma abstrata aos casos concretos é entregue a homens, os juízes.

No Espírito Santo, o então Juiz Homero Mafra absolveu dois jovens universitários, acusados de possuir e fumar maconha, embora reconhecendo expressamente a configuração do crime, para manter neles viva a esperança na misericórdia humana.

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, Supervisor Pedagógico e Professor Pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, escritor.