sábado, 30 de maio de 2015

Audiência de custódia

                                  João Baptista Herkenhoff

Em 15 de abril passado o escrivão de polícia Weder Grassi escreveu-me a propósito da chamada audiência de custódia, que está sendo agora instituída. No e-mail ele disse que fui o precursor desta ideia. Isto porque determinei há muitos anos, através de portaria, que todo indivíduo preso, no território de minha comarca, fosse imediatamente trazido ao fórum.
A Constituição Federal então vigente determinava que a prisão fosse comunicada ao juiz. Raciocinei que seria um aperfeiçoamento da norma constitucional que, ao fazer a comunicação da prisão, a Polícia apresentasse o detido.
Por ocasião da Assembleia Nacional Constituinte, propus que fosse estabelecida como norma constitucional o que eu já fazia no Espírito Santo, ou seja, que a Constituição Federal determinasse a obrigação de ser, não apenas comunicada a prisão ao juiz, pela autoridade que a efetuou, mas que houvesse ato contínuo a apresentação física do preso. Uma deputada por Pernambuco apresentou emenda neste sentido, mas a emenda não foi aprovada. Este fato foi registrado no site da Associação dos Magistrados Brasileiros.
A respeito do assunto “presos” escrevi muitos textos em A GAZETA. Nem sempre fui entendido nesta constância de abordar o tema. Fui apodado de defensor de bandidos, mas este epíteto não me incomodou. Só me incomodaria trair a consciência.
          Em tempos de muita violência, o discurso da repressão ganha novos adeptos.
          Crescem as estatísticas de apoiadores para teses como: redução da maioridade penal; agravamento das penas em geral com as devidas alterações no Código Penal; introdução da pena de morte; maior rigor dos juízes para aplicar as penas já previstas; abandono do princípio da presunção de inocência; adoção ampla do encarceramento e redução drástica de alternativas como liberdade vigiada, prestação de serviços à comunidade, multas; revogação do dispositivo legal que permite aos condenados recorrer de sentenças condenatórias em liberdade etc.
          Sob a ótica do leigo estas ideias parecem eficazes para reduzir a criminalidade. Entretanto, à luz das pesquisas científicas, sob o olhar do cientista do Direito, esses aparentes avanços: ou contribuem para aumentar as taxas de incidência criminal, ou não alteram em nada os índices anteriormente apurados.
É lamentável que alguns juristas endossem o discurso repressivo. Duas hipóteses: a) ou não gostam de ler e, consequentemente, desconhecem as pesquisas que hoje circulam até pela internet; b) ou conhecem a verdade científica mas embarcam no discurso da mão pesada por subserviência à opinião da maioria.

João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado, escritor e professor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com

É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Pena de morte 2015

                                              João Baptista Herkenhoff
          O brasileiro Rodrigo Muxfeldt Gularte foi executado na Indonésia.
          Os apelos de clemência, partidos do mundo inteiro, não sensibilizaram os algozes. A Presidente Dilma Roussef, em nome do Brasil, pediu que Rodrigo fosse poupado com a substituição da pena mortal por pena menos dramática. O governo de Jacarta foi surdo ao nosso apelo e o ato brutal e desumano foi praticado.
          A execução fere tão profundamente a consciência humana que das doze armas utilizadas no assassinato a sangue frio, três foram carregadas com balas de verdade e doze com balas de festim. Em razão desse estratagema, cada um dos carrascos carregou, dentro do espírito, a esperança de que sua arma não matou o semelhante.
          Depois do protesto formal de nossa Presidente, ainda não se sabe o que fará o Governo Brasileiro. A Austrália, cuja localização geográfica fica próxima da Indonésia, retirou seu embaixador do país assassino, em protesto contra a barbaridade.
          O Brasil poderá prosseguir mantendo relações com o governo indonésio. O laço diplomático formal talvez seja acertado porque a ruptura pode ser contraproducente e acirrar o ódio que sempre alimenta o fuzilamento, a forca e a cadeira elétrica. Entretanto, relações mais profundas não serão possíveis, por absoluta falta de sintonia no conceito do que seja civilização, humanidade, convivência entre os povos, respeito à vida.
          O artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra, em favor de toda pessoa, um tríplice direito: à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
          O direito à vida deve ser entendido em toda a plenitude e compreende:
          a) o direito de nascer e a consequente recusa do aborto;
          b) o direito de permanecer vivo;
          c) o direito de alcançar uma duração de vida compatível com as possibilidades e potencialidades das ciências e técnicas humanas, num determinado momento histórico;
          d) o direito de não ser privado da vida através da  pena de morte.
          A Constituição Brasileira determina que
          "não haverá pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis".
          Durante o período pré-constituinte, a pena de morte foi repudiada por Emenda Popular apresentada sob o patrocínio da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e de outras entidades.
          A Constituinte acolheu essa emenda popular. Ouviu o forte apelo da opinião pública que, sobretudo por motivos religiosos e humanitários, recusa a legitimidade da sanção mortal.
          Em razão do repúdio da alma brasileira à pena de morte, outro comportamento não poderia ter a Presidente da República senão o de manifestar desaprovação ao ato e pedir que fosse poupada a vida do nosso concidadão.

João Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor.

É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.


segunda-feira, 9 de março de 2015

Delação premiada

 
                                              João Baptista Herkenhoff
 
          A delação premiada está na ordem do dia, em razão de fatos que ocupam o noticiário. Entretanto este texto não está focado nas circunstâncias do momento. Neste artigo trato da delação premiada, sob o ângulo ético e doutrinário. As reflexões baseadas na Ética e na Doutrina têm valor permanente, ou seja, valem para o presente, valeram para o passado e valerão para o futuro.
          Com uma ressalva que registro no final, não vejo com simpatia o instituto jurídico da delação premiada.
          Introduzida há poucos anos no Direito brasileiro, a delação premiada de muito tempo é utilizada em países como Estados Unidos, Alemanha e Itália. O fato de ser adotada em nações poderosas não aconselha a imitação porque cada país tem sua história, seus valores, o direito de traçar seu caminho.
          A meu ver, a delação premiada associa criminosos e autoridades, num pacto macabro.
De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime.
Numa outra vertente, a delação que emerge do universo criminoso, quando falsa, é injusta e pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando o crime.
          Na maioria das situações, creio que o uso da delação premiada tem pequena eficácia, uma vez que a prova relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal, e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça.
          Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sócio-jurídica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta (Crime, Tratamento sem Prisão, Livraria do Advogado, de Porto Alegre, página 98).
Então, é de se perguntar: pode o Estado ter menos ética do que os cidadãos que o Estado encarcera?  Pode o Estado barganhar vantagens para o preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcançam, de soslaio, a autoridade estatal?
          A tudo isso faço apenas uma ressalva. Merece abrandamento da pena ou mesmo perdão judicial aquele que, tendo participado de um crime (sequestro de uma pessoa, por exemplo), desiste de seu intento no trajeto do crime e fornece às autoridades informações que permitam (no exemplo que estamos citando) a localização do sequestrado e o consequente resgate da vida em perigo. Numa hipótese como essa, o arrependimento do criminoso tem a marca da nobreza e o Estado, premiando sua conduta, age eticamente.
 
João Baptista Herkenhoff é magistrado aposentado (ES), professor e escritor.
 
É livre a divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.