sábado, 9 de julho de 2011

Preso não pode usar desodorante roll on

                        Gilvan Vitorino C. S.
O sujeito (de direitos, sempre) que cumpre pena de prisão, embora já tenha sido humilhado desde que alguém exerceu quanto a ele a "incriminação" (Michel Misse), mais padece no interior do cárcere.

Já no processo, e frequentemente a partir da ampla divulgação que dá a mídia ainda quando é mero suspeito, humilhá-lo parece ser o grande objetivo.  Já vi um juiz, ao final do julgamento no Tribunal do Júri, chamar o condenado de “escória da sociedade”. Assim, ao cárcere são enviados indivíduos já desqualificados pelo sistema.

Numa das inspeções que fizemos em nome da Pastoral Carcerária, em presídio desse nosso estado, verificamos (como reiteradamente se verifica) que os presos não têm acesso aos livros. Indagado, o coronel diretor do sistema prisional disse que a proibição era uma cautela para evitar que pusessem fogo no interior das celas!

Fiquei preocupado, pois nessa toada tudo o que pudesse ser queimado poderia vir a ser retirado das celas, até os colchões...

Em Cachoeiro de Itapemirim, no CPFCI – Centro Prisional Feminino de Cachoeiro de Itapemirim -, uma dessas unidades prisionais que, na verdade, são “sepulcros caiados” (metáfora bíblica: belo por fora, mas com interior em putrefação), vi medida das mais descaradas: as escovas de dente têm seus cabos cortados. As presas escovam os dentes com um “toquinho”, difícil de ser manuseado. A diretora, orgulhosa daquele zelo pela segurança delas, justificou a prática: “é que elas poderiam utilizar a escova para ferir alguém”. Os dentes... ora, pra quê dentes saudáveis em presos?

Mas em São Mateus, na PRSM – Penitenciária Regional de São Mateus -, em recente inspeção que fizemos acompanhando o Conselho da Comunidade daquela Comarca, parece que inovaram no abuso.

Ao entrarmos na sala onde são armazenados os produtos de higiene pessoal e limpeza, a gerente da empresa administradora foi logo mostrando o desodorante que é distribuído às presas. Havia certo orgulho da sua parte, como que querendo dizer: “vejam, tratamos tão bem elas que até desodorante elas recebem”.

No entanto, ao abrir o frasco, dizendo tratar-se de “rolon” (roll on), foi logo dizendo que a bolinha – aquela bolinha típica dos “rolons”- é retirada, pois as presas não poderiam receber os frascos com aquilo, e enviadas para uma instituição que trabalha com reciclagem de materiais descartados.

O juiz que estava conosco, portanto, foi logo dizendo que aquilo já não poderia mais chamar-se “rolon”.

Intrigado, perguntei pela razão daquela medida: “ah, doutor, imagina alguém introduzindo uma bolinha dessas no seu ânus!”, respondeu-me aquela “diligente” senhora.

Respondi que me causaria maior violência se introduzissem o frasco.

É assim, tem sido assim.

Como disse um arguto conselheiro daquele Conselho da Comunidade: “parece que alguém fica pensando em algo, mesmo que a possibilidade de acontecer seja absurda, para que alguma medida disciplinar seja imposta ao preso”.

Mas pode tornar-se diferente.

Primeiro, precisamos recusar que aqueles homens e mulheres encarcerados continuem sendo violentados no interior das prisões.

Segundo, precisamos, todos nós, recusar o cárcere. Recusá-lo pra quem quer que seja. Precisamos desenvolver meios de solucionar conflitos sem o expediente do cárcere. Precisamos começar a criar alternativas para que logo logo possamos presenciar o fim dessa instituição que tanta dor tem causado à pessoa humana.  




4 comentários:

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  2. A visão social de um membro da Pastoral Carcerária é muito divergente da visão de um Agente de Segurança Prisional. O nosso trabalho como equipe de segurança prisional é a guarda custódia dos apenados e através da segurança colaboramos para o surgimento da ressocialização da pessoa presa. Recentemente tivemos denúncias postadas pela imprensa de torturas e maus tratos aos apenados o que resultou felizmente na inspeção dos membros da Pastoral, MP e judiciário em nossa UP.Trabalho na PRSM (Penitenciária Regional de São Mateus). Tive um companheiro rendidos por um apenado com uma escova dental afiada sendo apontada para sua garganta (em outra unidade) nada demais são ossos do ofício, agora se fosse para o pescoço de outro apenado sendo ele ameaçado ou morto a história seria diferente, a repercussão seria imediata e assim talvez vossa senhoria acharia por bem tirar os cabos das escovas. Respiramos segurança e agimos com cautela e legalidade em nossos procedimentos. Ao ler essas reclamações entendo-as perfeitamente, elas são válidas e devem chegar ao conhecimento dos diretores das referidas unidades para que assim possamos repensar algumas situações, o que não levará a nenhum avanço será o denuncismo canalha e covarde que alguns praticam. Repensemos a evolução do Sistema Prisional juntos e os avanços surgirão! Obrigado!

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  3. Ratifico o que escrevi no artigo mencionado. Continuo incomodado com o excesso de "DISCIPLINA" no sistema prisional.
    E não poderia deixar de registrar minha satisfação em receber um comentário tão respeitoso e temático como o seu, Wagner.
    Espero contar com o diálogo: podendo-se utilizar até palavras duras, mas com o respeito que todos merecemos.
    Obrigado a você.

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