domingo, 16 de setembro de 2012

A OAB E SEU PAPEL NO COMBATE À DISCRIMINAÇÃO RACIAL

                José Roberto de Andrade*
Ao criar a Comissão de Igualdade Racial a OAB/ES se torna parceira dos movimentos sociais que lutam pela erradicação de todas as formas de discriminação étnico-racial e demais movimentos da sociedade civil, que lutam contra a forte herança racista em nossa sociedade, fruto de 350 anos de regime escravocrata no Brasil, cujo ocaso ocorreu ha 124 anos, pequeno interregno de tempo se visto sob uma perspectiva histórica.

A OAB/ES que sempre esteve ao lado dos marginalizados e oprimidos, enfrentando crimes contra os direitos humanos, agora com a CIR avança na luta contra o racismo.

A luta contra a discriminação racial tem sido travada em várias frentes e já há um longo caminho percorrido. Os Tratados Internacionais demonstram a busca de combate ao racismo pelo qual tem se empenhado as nações.

A Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 20 de dezembro de 1963 (Resolução 1.904 da Assembléia Geral), promulgada pelo Decreto 65.810, de 08.12.1969 afirma solenemente a necessidade de eliminar rapidamente a discriminação racial no mundo, em todas as suas formas e manifestações, e de assegurar a compreensão e o respeito à dignidade da pessoa humana.

Neste tratado se buscou adotar todas as medidas necessárias para eliminar rapidamente a discriminação racial em todas as suas formas e manifestações, a prevenir e combater doutrinas e práticas racistas e construir uma comunidade internacional livre de todas as formas de segregação racial e discriminação racial.

A importância de políticas e ações afirmativas são ressaltadas nos seguintes termos:

“Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.”

Da mesma forma a DECLARAÇÃO DE DURBAN, 8 DE SETEMBRO DE 2001, (Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata).

O texto desta Declaração reconhece que ações nacionais e internacionais são necessárias para o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, a fim de assegurar o pleno gozo de todos os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, os quais são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados, e para melhorar as condições de vida de homens, mulheres e crianças de todas as nações;

As nações signatárias afirmam estar plenamente conscientes de que, apesar dos esforços realizados pela comunidade internacional, Governos e autoridades locais, o flagelo do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata persiste e continua sendo causa de violações dos direitos humanos, sofrimentos, desvantagens e violência, que devem ser combatidos por todos os meios disponíveis e apropriados como questão de prioridade máxima, preferencialmente em cooperação com comunidades atingidas.

Este objetivo é reafirmado em outras passagens, senão vejamos:


Reafirmamos firmemente, como necessidade premente de justiça, que deve ser assegurado às vítimas das violações dos direitos humanos resultantes do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, especialmente à luz de sua situação social, cultural e economicamente vulnerável, o acesso à justiça, bem como assistência jurídica, quando necessário, recursos e proteção efetivos e adequados, incluindo o direito a obter justa e adequada indenização ou satisfação por qualquer dano sofrido como resultado de tal discriminação, de acordo com o que está consagrado em vários instrumentos regionais e internacionais de direitos humanos, em particular na Declaração Universal de Direitos Humanos e na Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial;

Destacamos a necessidade de se desenhar, promover e implementar em níveis nacional, regional e internacional, estratégias, programas, políticas e legislação adequados, os quais possam incluir medidas positivas e especiais para um maior desenvolvimento social igualitário e para a realização de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de todas as vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, inclusive através do acesso mais efetivo às instituições políticas, jurídicas e administrativas, bem como a necessidade de se promover o acesso efetivo à justiça para garantir que os benefícios do desenvolvimento, da ciência e da tecnologia contribuam efetivamente para a melhoria da qualidade de vida para todos, sem discriminação;

Reconhecemos a necessidade de ser adotarem medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com o intuito de promover sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva, inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando a todos em igualdade de condições. Dentre estas medidas devem figurar outras medidas para o alcance de representação adequada nas instituições educacionais, de moradia, nos partidos políticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços judiciários, na polícia, exército e outros serviços civis, os quais em alguns casos devem exigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para igualdade de participação;

Compõe os direitos fundamentais, em nossa Constituição, a garantia à liberdade religiosa que está prevista no art.5º, VI. A liberdade de crença é também tratada no art.23 do Estatuto da Igualdade Racial, porém ainda é comum que as religiões de matriz africana sejam representadas de forma estereotipada e pejorativa, configurando não apenas a intolerância em relação a religiosidade do povo negro (mas cada vez mais também de não-negros), como uma discriminação que se sobrepõe a racial.

Ainda neste sentido o Tratado Internacional em análise:

Reconhecemos que a religião, a espiritualidade e as crenças desempenham um papel central nas vidas de milhões de mulheres e homens, e no modo como vivem e tratam as outras pessoas. Religião, espiritualidade e crenças podem e devem contribuir para a promoção da dignidade e dos valores inerentes à pessoa humana e para a erradicação do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata;

Insta os Estados a reconhecerem os severos problemas de intolerância e preconceito religioso vivenciados por muitos afrodesecendentes e a implementarem políticas e medidas designadas para prevenir e eliminar todo tipo de discriminação baseada em religião e nas crenças religiosas, a qual, combinada com outras formas de discriminação, constituem uma forma de múltipla discriminação;

Marco desta luta, a Lei 12.288 de 20.07.2010, instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, cujos objetivos são assim estabelecidos:

Art.1º - Art. 1º - Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;

Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) DE 1999, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ficou constatado que os negros representam 64% da parcela de 53 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza. Os negros também compõem aproximadamente 69% dos 22 milhões de indigentes, 70% dos 10% mais pobres da população e 63,63% da população pobre do país, enquanto os brancos não alcançam nem 32% da população indigente e nem 40% dos mais pobres.

Em novembro de 2007, foram divulgados pelo Dieese e a Fundação Seade os resultados de uma pesquisa referente às desigualdades entre brancos e negros no Brasil, comprovando que a renda média dos negros é 52,9% menor do que a dos brancos, mas que tal diferença poderia ser reduzida com uma maior escolaridade dos primeiros.

Assim, o Estatuto da Igualdade Racial representa importante etapa de um longo processo de lutas, em torno da igualdade entre brancos e negros, que começou no período colonial e ainda prossegue nos dias de hoje. É um importante  instrumento para se vencer as desigualdades, o racismo e o falso mito da democracia racial que tem sido utilizado para impedir o exercício de direitos, uma vez que a execução de políticas públicas universalistas é incapaz de promover a real inclusão que leve ao exercício da autonomia e da emancipação dos cidadãos.

Finalmente, não se pode olvidar que na V Conferência Internacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, ocorrido de 15 a 17 de agosto do corrente ano, cujo tema foi “A efetividade dos Direitos Humanos no Brasil”, foi redigida a Carta de Vitória onde está consignado:

Recomendar ao Estado Brasileiro a efetivação de medidas de prevenção, educação e proteção com vistas a erradicação do racismo e da discriminação racial, bem como a real implementação das políticas de ações afirmativas, nos campos educacional, social, econômico, cultural e outros, objetivando a promoção, o fomento e o avanço da igualdade da população afrodescendente, garantindo-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

No Estado Democrático de Direito a igualdade adquire uma nova concepção, uma igualdade que busca promover a participação legítima de todos nos processos democráticos e como nos ensina ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ: “A igualdade procedimental do período contemporâneo deve ser entendida como uma igualdade aritmeticamente inclusiva para viabilizar que um número crescente de cidadãos possa simetricamente participar da produção de políticas públicas do Estado e da sociedade”.

Se não fizermos tal distinção, seremos obrigados a reconhecer como justo somente o estado mínimo do liberalismo clássico, que é brutalmente cego às desigualdades sociais e frontalmente contrário ao espírito de nossa Constituição Federal.

Portanto é de fundamental importância a criação da CIR – Comissão de Igualdade Racial nesta Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com o peso institucional que possui esta entidade e sua história na defesa do Estado Democrático de direito.

* Advogado com especialização em direito público. 
Presidente da CIR-OAB-ES. 
Advogado da Pastoral Carcerária.  
Coordenador Administrativo do Coletivo Fazendo Direito.