Ao
criar a Comissão de Igualdade Racial a OAB/ES se torna parceira dos movimentos
sociais que lutam pela erradicação de todas as formas de discriminação
étnico-racial e demais movimentos da sociedade civil, que lutam contra a forte
herança racista em nossa sociedade, fruto de 350 anos de regime escravocrata no
Brasil, cujo ocaso ocorreu ha 124 anos, pequeno
interregno de tempo se visto sob uma perspectiva histórica.
A
OAB/ES que sempre esteve ao lado dos marginalizados e oprimidos, enfrentando
crimes contra os direitos humanos, agora com a CIR avança na luta contra o
racismo.
A
luta contra a discriminação racial tem sido travada em várias frentes e já há
um longo caminho percorrido. Os Tratados Internacionais demonstram a busca de
combate ao racismo pelo qual tem se empenhado as nações.
A
Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação Racial de 20 de dezembro de 1963 (Resolução 1.904 da Assembléia
Geral), promulgada pelo Decreto 65.810, de 08.12.1969 afirma solenemente a
necessidade de eliminar rapidamente a discriminação racial no mundo, em todas
as suas formas e manifestações, e de assegurar a compreensão e o respeito à
dignidade da pessoa humana.
Neste
tratado se buscou adotar todas as medidas necessárias para eliminar rapidamente
a discriminação racial em todas as suas formas e manifestações, a prevenir e
combater doutrinas e práticas racistas e construir uma comunidade internacional
livre de todas as formas de segregação racial e discriminação racial.
A
importância de políticas e ações afirmativas são ressaltadas nos seguintes
termos:
“Não serão consideradas discriminação racial
as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso
adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da
proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos
igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto
que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido
alcançados os seus objetivos.”
Da
mesma forma a DECLARAÇÃO DE DURBAN, 8 DE SETEMBRO DE 2001, (Declaração e
Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo,
Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata).
O
texto desta Declaração reconhece que ações nacionais e internacionais são
necessárias para o combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e
intolerância correlata, a fim de assegurar o pleno gozo de todos os direitos
humanos, econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, os quais são
universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados, e para melhorar
as condições de vida de homens, mulheres e crianças de todas as nações;
As
nações signatárias afirmam estar plenamente conscientes de que, apesar dos
esforços realizados pela comunidade internacional, Governos e autoridades
locais, o flagelo do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata
persiste e continua sendo causa de violações dos direitos humanos, sofrimentos,
desvantagens e violência, que devem ser combatidos por todos os meios
disponíveis e apropriados como questão de prioridade máxima, preferencialmente
em cooperação com comunidades atingidas.
Este
objetivo é reafirmado em outras passagens, senão vejamos:
Reafirmamos firmemente, como necessidade
premente de justiça, que deve ser assegurado às vítimas das violações dos
direitos humanos resultantes do racismo, discriminação racial, xenofobia e
intolerância correlata, especialmente à luz de sua situação social, cultural e
economicamente vulnerável, o acesso à justiça, bem como assistência
jurídica, quando necessário, recursos e proteção efetivos e adequados,
incluindo o direito a obter justa e adequada indenização ou satisfação por
qualquer dano sofrido como resultado de tal discriminação, de acordo com o que está
consagrado em vários instrumentos regionais e internacionais de direitos
humanos, em particular na Declaração Universal de Direitos Humanos e na
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Racial;
Destacamos a necessidade de se desenhar,
promover e implementar em níveis nacional, regional e internacional, estratégias,
programas, políticas e legislação adequados, os quais possam incluir medidas
positivas e especiais para um maior desenvolvimento social igualitário e para a
realização de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de
todas as vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância
correlata, inclusive através do acesso mais efetivo às instituições políticas,
jurídicas e administrativas, bem como a necessidade de se promover o acesso
efetivo à justiça para garantir que os benefícios do desenvolvimento, da
ciência e da tecnologia contribuam efetivamente para a melhoria da qualidade de
vida para todos, sem discriminação;
Reconhecemos a necessidade de ser adotarem
medidas especiais ou medidas positivas em favor das vítimas de racismo,
discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata com o intuito de promover
sua plena integração na sociedade. As medidas para uma ação efetiva,
inclusive as medidas sociais, devem visar corrigir as condições que impedem o
gozo dos direitos e a introdução de medidas especiais para incentivar a
participação igualitária de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e
religiosos em todos os setores da sociedade, colocando a todos em igualdade de condições.
Dentre estas medidas devem figurar outras medidas para o alcance de
representação adequada nas instituições educacionais, de moradia, nos partidos
políticos, nos parlamentos, no emprego, especialmente nos serviços judiciários,
na polícia, exército e outros serviços civis, os quais em alguns casos devem
exigir reformas eleitorais, reforma agrária e campanhas para igualdade de
participação;
Compõe
os direitos fundamentais, em nossa Constituição, a garantia à liberdade
religiosa que está prevista no art.5º, VI. A liberdade de crença é também
tratada no art.23 do Estatuto da Igualdade Racial, porém ainda é comum que as
religiões de matriz africana sejam representadas de forma estereotipada e
pejorativa, configurando não apenas a intolerância em relação a religiosidade do
povo negro (mas cada vez mais também de não-negros), como uma discriminação que
se sobrepõe a racial.
Ainda
neste sentido o Tratado Internacional em análise:
Reconhecemos que a religião, a
espiritualidade e as crenças desempenham um papel central nas vidas de milhões
de mulheres e homens, e no modo como vivem e tratam as outras pessoas. Religião,
espiritualidade e crenças podem e devem contribuir para a promoção da dignidade
e dos valores inerentes à pessoa humana e para a erradicação do racismo, discriminação
racial, xenofobia e intolerância correlata;
Insta os Estados a reconhecerem os severos
problemas de intolerância e preconceito religioso vivenciados por muitos
afrodesecendentes e a implementarem políticas e medidas designadas para prevenir
e eliminar todo tipo de discriminação baseada em religião e nas crenças
religiosas, a qual, combinada com outras formas de discriminação, constituem
uma forma de múltipla discriminação;
Marco
desta luta, a Lei 12.288 de 20.07.2010, instituiu o Estatuto da Igualdade
Racial, cujos objetivos são assim estabelecidos:
Art.1º - Art. 1º - Esta Lei institui o
Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a
efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas
de intolerância étnica.
II - desigualdade racial: toda situação
injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e
oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica;
Na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) DE 1999, do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ficou constatado que os negros representam
64% da parcela de 53 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de
pobreza. Os negros também compõem aproximadamente 69% dos 22 milhões de
indigentes, 70% dos 10% mais pobres da população e 63,63% da população pobre do
país, enquanto os brancos não alcançam nem 32% da população indigente e nem 40%
dos mais pobres.
Em
novembro de 2007, foram divulgados pelo Dieese e a Fundação Seade os resultados
de uma pesquisa referente às desigualdades entre brancos e negros no Brasil,
comprovando que a renda média dos negros é 52,9% menor do que a dos brancos,
mas que tal diferença poderia ser reduzida com uma maior escolaridade dos
primeiros.
Assim,
o Estatuto da Igualdade Racial representa importante etapa de um longo processo
de lutas, em torno da igualdade entre brancos e negros, que começou no período
colonial e ainda prossegue nos dias de hoje. É um importante instrumento para se vencer as desigualdades,
o racismo e o falso mito da democracia racial que tem sido utilizado para
impedir o exercício de direitos, uma vez que a execução de políticas públicas
universalistas é incapaz de promover a real inclusão que leve ao exercício da
autonomia e da emancipação dos cidadãos.
Finalmente,
não se pode olvidar que na V Conferência Internacional de Direitos Humanos do
Conselho Federal da OAB, ocorrido de 15 a 17 de agosto do corrente ano, cujo
tema foi “A efetividade dos Direitos Humanos no Brasil”, foi redigida a Carta
de Vitória onde está consignado:
Recomendar ao Estado Brasileiro a efetivação
de medidas de prevenção, educação e proteção com vistas a erradicação do
racismo e da discriminação racial, bem como a real implementação das políticas
de ações afirmativas, nos campos educacional, social, econômico, cultural e
outros, objetivando a promoção, o fomento e o avanço da igualdade da população
afrodescendente, garantindo-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
No
Estado Democrático de Direito a igualdade adquire uma nova concepção, uma
igualdade que busca promover a participação legítima de todos nos processos
democráticos e como nos ensina ÁLVARO RICARDO DE SOUZA CRUZ: “A igualdade
procedimental do período contemporâneo deve ser entendida como uma igualdade
aritmeticamente inclusiva para viabilizar que um número crescente de cidadãos
possa simetricamente participar da produção de políticas públicas do Estado e
da sociedade”.
Se
não fizermos tal distinção, seremos obrigados a reconhecer como justo somente o
estado mínimo do liberalismo clássico, que é brutalmente cego às desigualdades
sociais e frontalmente contrário ao espírito de nossa Constituição Federal.
Portanto
é de fundamental importância a criação da CIR – Comissão de Igualdade Racial
nesta Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com o peso institucional que
possui esta entidade e sua história na defesa do Estado Democrático de direito.
* Advogado
com especialização em direito público.
Presidente da CIR-OAB-ES.
Advogado da Pastoral Carcerária.
Coordenador
Administrativo do Coletivo Fazendo Direito.