Gilvan
Vitorino C. S.
A
Proposta de Emenda à Constituição nº 33 - PEC 33 -, de 2012, de autoria do
Senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), pretende instituir o critério biopsicológico
para relativizar a maioridade penal entre 16 e 18 anos. O indivíduo responderia
penalmente se constatada sua capacidade de “[...] compreender o caráter criminoso
de sua conduta [...]”. Ainda, a relativização dependeria da gravidade
do ato cometido.
A iniciativa
pode ser contestada segundo várias perspectivas. Pretendo fazê-lo tentando
elidir o argumento inserido na justificação que acompanha a proposta. Segundo o
proponente, não é insuperável a questão da possibilidade de se aferir o nível
de consciência acerca da ilicitude dos atos de um adolescente de 16 anos. Para
tanto, ainda segundo o Senador, levar-se-iam em conta “[...] seus antecedentes
pessoais, seu histórico familiar, as condições sócio-econômicas e culturais que
lhe foram impostas [...]”
Contudo,
a experiência demonstra que o sistema de justiça criminal é e sempre foi
seletivo, premiando afortunadas vítimas com a proteção e perseguindo desafortunados
indivíduos com as mais cruéis atividades do Estado – a criminalização e punição.
E quanto mais o sistema encontra meios pouco objetivos de atuação, mais grassa
a seletividade.
A lei antidrogas (Lei 11.343/2006) é um
exemplo que permite uma analogia pedagógica. Em seu artigo 28, § 2º, lê-se: “Para
determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. O resultado desse
leque de discricionariedade foi e tem sido desastroso: são muitos usuários
cumprindo pena de prisão como se fossem traficantes! E esses criminalizados são sempre os de baixa
escolaridade, negros, de vocabulário tosco, moradores da periferia, etc.
Embora
esta seletividade seja própria do sistema, não podendo ser extinta – a não ser,
segundo minha opinião e de grandes estudiosos do tema, pela sua abolição
(abolição da justiça criminal) -, o sistema penal de justiça exige objetividade
para que o grau de decidibilidade dos seus agentes (policiais, promotores de
justiça, juízes, etc) seja o menor possível e se evitem as discriminações. Ora,
deixar que alguém, mesmo peritos, decida se um indivíduo pode ou não responder
pelos seus atos na esfera penal, por um critério subjetivo, é perigoso, pois
gera insegurança para o processado.
Com
um critério biopsicológico, esperar que se aprofunde a criminalização de certos
indivíduos já predestinados ao cárcere não é exagero. Veja-se exemplo de
avaliação psicossocial que encontrei nos autos de uma ação contra um menor de
idade (de 15 anos), da Vara da Infância e Juventude de Vila Velha, feito por
uma assistente social e uma psicóloga. Na conclusão do Relatório Psicossocial,
pode-se ler: “O adolescente não apresenta identificação com a cultura associada
à prática de ato infracional como, por exemplo, o linguajar. Em sua fala,
coloca frequentemente que não pertence a esse mundo [...]”
Assim,
se a PEC 33 prosperar, mais ainda o sistema prisional será abarrotado com indivíduos
de um mundo de lá: o espaço da outridade, que não é o meu, é de outro. Pois
esta PEC não é para todos, é para o outro.