João
Baptista Herkenhoff
O cidadão
comum pode ser tomado pelo sentimento de ódio à face de certas situações. A
vítima de um crime violento, por exemplo, tem razões para nutrir ódio contra a
pessoa do criminoso. Essa não é a atitude recomendada pela Ética Cristã, mas é
compreensível. Coloque-se o leitor na situação de um pai, cuja filhinha pequena
foi vítima de estupro. Que penalidade quererá para o estuprador? Se houvesse a
pena de morte e se pedisse a pena de morte, sua explosão de revolta, ainda que
não aprovada, deveria ser compreendida.
O desejo de
vindita do ofendido, em alguns casos, só é rechaçado por um sentimento
religioso sincero e profundo.
Muito
diferente da reação do agredido à face do agressor é o comportamento que se
exige do magistrado quando se depara com os casos que lhe caiba julgar.
Jamais a
sentença judicial pode ter o acento do ódio, da vingança, do destempero verbal
ou emocional.
Ao juiz
pede-se serenidade, quietude, brandura. A autoridade da toga não se assenta nos
rompantes de autoritarismo, mas na imparcialidade das decisões e na retidão
moral dos julgadores.
O magistrado
deve ser tão impolutamente equilibrado, harnonioso, equânime que até o vencido
deve respeitá-lo, embora recorra do julgamento desfavorável.
Como disse
com muita precisão Georges Duhamel, “a verdadeira serenidade não é a ausência
de paixão, mas a paixão contida, o ímpeto domado.”
Ou na lição
de Epicuro: ”A serenidade espiritual é o fruto máximo da Justiça.”
Em
determinados momentos históricos, seja pela gravidade dos crimes em pauta, seja
pelo alarido em torno dos crimes, a opinião pública pode tender à aplicação da
pena de talião.
Cederá o juiz
à pressão do vozerio?
Respondo
peremptoriamente que não.
Que garantia
tem um povo de viver em segurança, de desfrutar do estado de direito
democrático, se os juízes se dobrarem, seja ao poder das baionetas, seja ao
pedido dos influentes, seja às moedas de Judas, seja a um coro de vozes
estridentes ou silenciosas, seja ao grito das ruas?
Um país só
terá tranquilidade, prosperidade e paz se dispuser de uma Justiça que fique
acima das paixões, firme, inabalável, impertubável, equidistante de influências
espúrias, uma Justiça sem ódio. O ódio conspurca a Justiça.
Aí vai esta
reflexão teórica, apropriada para qualquer tempo e para qualquer lugar. A
serenidade, a isenção, a capacidade de colocar-se acima dos estampidos que
procuram direcionar e capturar a mente dos juízes – este é um desafio que deve
ser enfrentado com dignidade e coragem sempre.
Deixo ao leitor a tarefa de cotejar
esses princípios permanentes, fundamentados na ética do ofício judicial, com
fatos concretos que estejam, eventualmente, acontecendo hoje no Brasil.
João Baptista Herkenhoff,
Juiz de Direito aposentado e escritor.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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