França
Júnior
Advogado, professor
de Direito Penal e Processo Penal
Membro da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário – COASC - do CFOAB
Pesquisador no grupo
“Direito, sociedade e violência” do Centro Universitário CESMAC
Autor do livro
Autor do livro
CADÁVERES INDISCRETOS: SEGURANÇA PÚBLICA E O (AB)USO DE PRÁTICAS BAN(D)IDAS EM AMBIENTE DEMOCRÁTICO.
O convite à reflexão
sobre o “Direito Penal e os empobrecidos” remete-nos a um debate rico em
transversalidade. Especialmente, Direito Penal, Sociologia e Criminologia nutrem
preciosos entrelaçamentos no curso dessa necessária discussão.
O crime, presente em
todas as fases da história da humanidade, na esteira do que já preconizou
Durkheim (em “As regras do método
sociológico”. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 82-83),
faz parte da dinâmica social, portanto, inextinguível, razão pela qual temos
que sempre trabalhar com a ideia de com ele conviver.
Nossos esforços devem
se voltar, portanto, à compreensão de suas causas para, na medida do possível,evitar
que o meio social se torne campo fértil para a sua proliferação. Nessa
perspectiva, não há campo mais propício para o crime do que aqueles cuja
atuação do Estado é deficiente ou até mesmo inexistente.
As promessas do
Estado providência, de há muito conhecidas, geram uma carga de expectativas
enorme nas camadas da população que mais necessitam de amparo. Essa expectativa
se vê frustrada pelo descompasso entre arrecadação e distribuição. A fórmula é
conhecida:arrecada-se (e muito!) como nunca, distribui-se (pouco) como sempre.
Não à toa, as áreas
mais eficientes e profissionalizadas da administração pública (em qualquer
nível) é a de arrecadação, enquanto que as mais
deficientes são as de prestação de serviços essenciais, como saúde e educação.
Nessa esteira, além
de grande produtor de expectativas (com a arrecadação e as promessas de bem
empregar os recursos), o Estado pós-moderno se notabiliza como seu grande
defraudador, foco de tensões.
Aqueles que conseguem
suprir suas necessidades mais básicas sem a dependência de serviços públicos
acabam não se submetendo a exageradas tensões da dinâmica social.
Esses, mais
abastados, no âmbito da saúde, recorrem aos completos planos de saúde, na
educação às escolas da moda, e na segurança aos carros blindados, câmeras de
vigilância, localizadores eletrônicos, agentes de segurança, entre outros
instrumentos.
A segurança, assim
como os bens e serviços essenciais à vida digna em sociedade, cujas condições
para desenvolvimento na sua maioria deveriam ser oferecidas pelo Estado, acaba
se tornando artigo de luxo, usufruída na sua plenitude apenas por aqueles que
podem pagar, os ditos “incluídos”. Estes, por sua vez, influenciam ativamente
nos círculos que elaboram as políticas públicas em segurança, direcionando-as
convenientemente aos “excluídos”.
O Sistema Penal, em
todas as suas áreas, diante do presente quadro, acaba trabalhando para que os
“excluídos” não perturbem os “incluídos”. A pobreza, portanto, tem servido como
“gatilho” para o seletivo sistema penal.
Dessa forma, como
vimos, apesar de não produzir crime, a pobreza aciona o sistema, cujo
funcionamento é culturalmente moldado no código binário herói/vilão, não sendo
difícil identificar a quem cabe tais rótulos.
A formação policial
com base nessa filosofia binária, muito comum na doutrina militarista, estimula
os agentes públicos a saírem às ruas procurando pessoas que se encaixam no
estereótipo de vilão, ostentados geralmente pela população pobre.
Esse caldo de cultura
autoritário e preconceituoso, ainda muito influente em terra brasilis, sobretudo no aparelho de segurança pública, corrói
os valores democráticos.
Como primeira
providência que nos proporcionaria um necessário giro valorativo, valorizando a
ideia de solidariedade, em nossa concepção, apresentam-se os ideais advindos da
doutrina abolicionista.
Encontrar, portanto,
formas mais horizontais (ou comunitárias) de resolver conflitos, privilegiar a
justiça restaurativa, relegando o invasivo sistema penal ao plano secundário,
identificar os bolsões de vulnerabilidade, investir em áreas cruciais para o
desenvolvimento sadio do convívio social, são certamente alternativas mais
condizentes com um ambiente verdadeiramente democrático.
Não estaríamos, com
essas alternativas, “inventando a roda”, mas adotando políticas já
experimentadas em outros locais, como é o caso da cidade de Diadema/SP, com
resultados positivos comprovados na literatura sobre o tema da segurança
pública.