José Roberto de Andrade
Quando vi o vídeo e a
reportagem sobre o espancamento do jovem operador de máquinas Wedson Oliveira,
que causou grande repercussão e revolta nas redes sociais me veio a imagem de um
abuso cometido em outro país, mais especificamente em Montgomery, capital do
Alabama, quando no dia 1º de dezembro de 1955, a costureira Rosa Parks se negou
a levantar e ceder seu lugar no ônibus que a transportava ao trabalho. Ela não
foi espancada. Foi detida e levada para a prisão, iniciando a partir daí um
grande movimento por direitos civis nos Estados Unidos que teve Martin Luther
King como um dos principais líderes.
Segundo o próprio Wedson o
ônibus em que embarcou estava lotado, e tendo já uma mulher sido autorizada a
entrar com suas crianças pela porta dos fundos, ele também entrou com as suas
crianças, uma vez que sua esposa já estava entrando pela frente para pagar as
passagens.
Este incidente, mais que
demonstrar que o transporte público de qualidade ainda não é uma realidade e
uma alternativa concreta para os congestionamentos da capital, demonstra um
cenário mais cru e lamentável.
Wedson poderia ser de
qualquer grupo étnico, mais coincidentemente era negro. Coincidentemente? O
fato vem engrossar os números de violência cometida contra jovens negros de
periferia, incluída a violência policial, motivo de várias denúncias de
movimentos sociais, que ensejaram políticas públicas como o “Plano Juventude
Viva” e a recente marcha nacional, também organizada no Centro da capital no
dia 22 de agosto, com o título “Reaja ou será morto, reaja ou será morta”,
quando mais de 50.000 pessoas se mobilizaram em todo pais.
Estatísticas oficiais registram
que os homicídios são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no
Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das
periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do Ministério da
Saúde mostram que mais da metade (53,3%) dos 49.932 mortos por homicídios em 2010
no Brasil eram jovens, dos quais 76,6% negros (pretos e pardos) e 91,3% do sexo
masculino.
Foge de qualquer
razoabilidade que uma passagem do sistema transcol no valor de R$ 2,45 seja o
motivo de tão desproporcional brutalidade. Principalmente considerando que não
houve recusa de pagamento. Esta cena poderia passar por corriqueira em um
engenho do século XVI, mas estamos no século XXI, os tempos são outros e os
atores sociais não podem continuar a encenar o mesmo drama.
Parece que paira sob a
aparência de um contratempo cotidiano da linha do Transcol de Araças, algo
muito mais sério e letal que a sociedade capixaba e o poder público precisam
avaliar, debater e propor soluções, a exemplo do velho Alabama.
O momento de eleições é
propício a que os candidatos aos cargos executivos e legislativos se voltem a
esta realidade e apresentem propostas concretas visando combater mais esta
chaga social que mancha a imagem de nossa nação.
Vitória, ES, 04.10.2014
José Roberto de Andrade é
advogado da Pastoral Carcerária e Presidente da Comissão de Promoção de
Igualdade Racial da OAB/ES