sábado, 30 de julho de 2011

No caminho para Ouro Preto há uma praça


                       Gilvan Vitorino C. S.
Da janela lateral, do quarto de dormir de uma aprazível pousada, vi a praça. Crianças brincavam e gargalhavam gargalhadas de alegria, e namorados se davam o quanto permitido...
As árvores, bem distribuídas, ornadas por jardins de belas flores – mesmo inverno, ou por isso mesmo – como se fossem lindas saias em belas mulheres, balançavam ao toque de vento gostoso, fresco.
No meio dela, como é típico de antigas cidades, o coreto estava em silêncio... (Seria o frio, o gostoso frio, que convidava ao recato – ao contrário do que se esperaria, quando o movimento aqueceria?). Mas era silêncio de quem peleja na vida e aprendeu com ela, de quem faz uma longa caminhada e permite-se saborear o que encontra pelo caminho. Era daqueles silêncios que falam, bastando silêncio maior para que seja ouvido.
Vi a praça.
É a praça de Mariana.
Mas é a minha praça. E de Josés, Marias e Anas, e dos que vão lá.
E, ainda, é a praça dos que vão a outras paragens, outros lugares que também possuem suas belas praças. Outros lugares de belas praças: Macaé, Centro de Vitória, Araraquara, e lugares bem distantes, até do outro lado do Atlântico.
Mas, uma pequena dose de tristeza – todavia, contraditoriamente, parece uma overdose de tristeza – caiu sobre mim e Carol naquele dia: Amy Winehouse morreu.
Ora, mas eu nem a conhecia.
Porque é a morte de uma jovem de 27 anos. Jovem demais!
Se bem que sempre se é muito jovem para morrer...
Mas a morte dela é uma morte mais triste. Não há nenhuma dose de poesia numa morte como a dela... Se houve alguma dose, foi uma excessiva dose...
Mas a praça ainda estava ali.
E as praças ainda estão lá.
Vamos sair pra ver as praças?
Vê-se muita vida nas praças.   
(Praça de Mariana - MG)
Mariana me lembra um pouco a lição que aprendi com Rubem Alves: saborear a caminhada mais que ansiar pela chegada. Rubem Alves sempre estará a me lembrar que a alegria está aqui, no momento, não lá na frente. Por isso - utilizando uma metáfora que escrevi certa vez ao parabenizar uma amiga pelo seu aniversário -, melhor é uma viagem de janela aberta, com o vento no rosto, olhando e saboreando cada pedacinho percorrido.
Porque passei há alguns anos freqüentar um pouco a bela cidade de Ouro Preto, tenho certa dívida com Mariana. Pois, preferindo a chegada, desprezei o caminho. E Mariana esteve sempre no meu caminho; da estrada, via aquela cidadezinha anunciando a chegada de Ouro Preto... Só isso. Se bem que cheguei a ir até um de seus bares, numa fria noite de julho de algum ano, com um bom amigo que fiz em Ouro Preto... Mas, como era noite, vi pouco do que havia lá.
Então...
Um dia, com Carol e seus pais, quase chegando a Ouro Preto, já muito cansados, preferimos entrar em Mariana – ainda de dia!
E eis que Mariana se revelou...
Há muito mais em Mariana do que aquilo que Ouro Preto, sem saber, permite revelar. Sua praça, ah, que bela praça. Por ali, nos arredores, com casarões belos, muito belos, há pontos de encontro muito agradáveis para que se beba um bom chocolate com conhaque (depois de conhecer assim, fiz com cachaça e ficou muito bom). Aliás, lembro que foi com o Tavares e sua esposa Margarete (os amigos que me conduziram pela primeira vez àquela cidade) que provei pela primeira vez o choconhaque. E, mesmo que eu já tenha bebido anteriormente, o local e as companhias tornaram esse momento inigualável...
Ah, Mariana!
Ates de Mariana, passamos por Manhuaçu. Mas, decidido a entrar na cidade e ver meu amigo Gabriel e conhecer sua noiva, vi também que aquela cidade é mais do que a BR revela.
Depois de chegar a Cachoeira do Campo para comprar panela de pedra sabão, ousamos ir além e visitar Amarantina. Elas são distritos de Ouro Preto. Foi uma vendedora de panelas que nos instou a visitar o Museu das Reduções, neste distrito. Quatro irmãos produziram miniaturas (com escala de aproximadamente 1/25) – acho que são 15 – de construções históricas do Brasil... Dentre elas, além de igrejas de Ouro Preto, do Rio de Janeiro (Outeiro da Glória), do Farol da Barra, a Igreja dos Reis Magos, de Nova Almeida – Serra – ES – foi contemplada. E é a construção mais antiga representada – data, a obra, de 1580.
Sei não, talvez haja uma lição nisso tudo, uma lição de relacionamento interpessoal: há mais nas pessoas do que aquilo que a primeira impressão revela. Então, precisamos descobrir os tesouros que as habitam e fogem à primeira impressão...
Lembro do burrinho pedrês, de Guimarães Rosa, de quem jamais se esperaria tamanha valentia.    
Voltando pra Vitória, passamos por Ponte Nova, cidade do Feio, um amigo que há muito não vejo, que trabalhou comigo na plataforma de Garoupa, Bacia de Campos. Lá, me emocionei com a beleza da Igreja Matriz de São Sebastião.
(Igreja Matriz de São Sebastião – Ponte Nova - MG)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

MISSÃO EM TONS E GOSTOS AMARELOS

                                         Adriano Alves*
Depois de anos voando para os quatro cantos desse país e desse mundão de N. Sr., nesta semana, mais uma vez fui convocado para um vapt-vupt técnico ao nosso cada-dia-mais-querido-Rio-de-Janeiro.
Em tempos de crise no Ministério dos Transportes, talvez influenciado pelas manchetes sobre o DNIT e afins, desta vez, mais por conveniência que necessidade, finalmente ousei dispensar os serviços daqueles antipáticos operadores de raio-x e resolvi encarar a estrada de verdade... E lá estava eu reparando numa telinha, sobre um balcão da rodoviária, a apaixonada Natalie sendo expulsa da cadeia pelo seu amado mau-caráter, Cortez, quando eu subia num amarelão da Itapemirim para reencontrar a igualmente outrora rejeitada “estrada de verdade”, como diria um velho amigo.
E como o amarelão mudou. Comparado àqueles bons tempos de minha infância, quando ia passar férias no interior da Bahia, agora tem água, cafezinho, temperatura ambiente em torno dos 22 graus, uau!, poltronas com considerável inclinação, encosto para esticar as pernas, que combinado com aquela hora perfeita para uma boa relaxada... não me lembro de ter chegado sequer à 2ª. Ponte... apaguei...
Por volta das 2H30 da manhã, ainda sem conseguir avaliar o metro de estrada mais caro do planeta – assim informou o jornal da manhã – acordei em Campos dos Goytacazes, com o barulho da abertura da porta da cabine do motorista e o próprio informando em bom som “15 a 20 minutos para um lanche, pessoal”.
Saltei, zonzo-zonzo, e diligenciei, muito além do que costumo, anotando o número do ônibus na mão... desacostumado, pensei “pra quê?”. Bom, costumava ver minha mãe fazendo isso naqueles tempos... Talvez assim tivesse certeza que havia perdido o ônibus – pra que eu anotei o número daquele ônibus na mão?, pensei... depois de conferir uma super lanchonete, bem organizada, limpa e informatizada – padrão “auto-estrada” – com banheiros tão imundos quanto aqueles que visitamos nas épocas de “amarelinhos-queixos-duros”, retornei após os míseros quinze minutos, aliás, os únicos em que consegui ficar acordado durante todo o percurso até a Cidade Maravilhosa. Excelente pedida o “amarelão”.
Após todos os compromissos de trabalho honrados, ainda não existiu a possibilidade de ir e deixar o Rio sem separar um pouco para namorá-lo, admirando sua beleza, cultura e diversidade. Desta vez, ao invés de partir para mais descobertas nos bairros boêmios do centro-norte-oeste da cidade, também inovei e resolvi curtir a zona sul, sabendo que também não teria errada, claro.
Cinco quilômetros de uma deliciosa corrida no início da noite, da Marina da Glória até Botafogo. Depois, uma comédia no Teatro Leblon. Pela manhã uma caminhada do Posto 08 de Ipanema ao 12 do Leblon. Água de coco. Depois, meio galeto na Av. Visconde de Pirajá. Dois (ou três) douradinhos, claro. Naquela minha tradicional visitinha ao Sebo Al-Farábi, na Rua do Rosário, uma triste notícia. De sebo a café-cult, hoje o Al-Farábi trabalha como restaurante. Oh, tristeza! Lá ainda restam pouquíssimos volumes daquelas pérolas “amareladas” que me acostumei garimpar em cem por cento das minhas visitas ao Rio. Com pesar, questionei ao proprietário – ainda o mesmo –“Putz... e agora? Pra onde eu vou?”, ele sorriu, com certo lisonjeio, e me deu a dica me olhando por cima dos óculos “sabe onde fica ali as Americanas da Uruguaiana?”, assenti “Uhum”, continuou, “fiz bons negócios com os sebos daquela região. Mina de ouro pra quem gosta”.
A caminho da “nova mina”, começou a chover forte... parei e resolvi, então, curtir a chuva com as últimas amarelinhas garimpadas no Al-Farábi e adiei a busca até minha próxima ida ao Rio. Aliás, quanto tempo eu não tomava uma chuva tão gostosa. Será que estou apaixonado? (risos)
Bom, retornei pra casa com o “amarelão” das estradas, claro, e desta vez não querendo mais abandoná-lo quando precisar retornar ao Rio. Curtindo a chuva, e mais ainda o último ouro do árabe do Rosário, encerrei aquela divertida missão com a  dúvida do motorista de táxi que me trouxe até em casa “é aquela ali, Dr?... A amarelinha?”, sorrindo respondi “isso aí, mestre, tão amarela e gostosa quanto aquela nossa famosa caixinha de chocolates”.
* Adriano Alves é engenheiro civil e advogado.

sábado, 9 de julho de 2011

Preso não pode usar desodorante roll on

                        Gilvan Vitorino C. S.
O sujeito (de direitos, sempre) que cumpre pena de prisão, embora já tenha sido humilhado desde que alguém exerceu quanto a ele a "incriminação" (Michel Misse), mais padece no interior do cárcere.

Já no processo, e frequentemente a partir da ampla divulgação que dá a mídia ainda quando é mero suspeito, humilhá-lo parece ser o grande objetivo.  Já vi um juiz, ao final do julgamento no Tribunal do Júri, chamar o condenado de “escória da sociedade”. Assim, ao cárcere são enviados indivíduos já desqualificados pelo sistema.

Numa das inspeções que fizemos em nome da Pastoral Carcerária, em presídio desse nosso estado, verificamos (como reiteradamente se verifica) que os presos não têm acesso aos livros. Indagado, o coronel diretor do sistema prisional disse que a proibição era uma cautela para evitar que pusessem fogo no interior das celas!

Fiquei preocupado, pois nessa toada tudo o que pudesse ser queimado poderia vir a ser retirado das celas, até os colchões...

Em Cachoeiro de Itapemirim, no CPFCI – Centro Prisional Feminino de Cachoeiro de Itapemirim -, uma dessas unidades prisionais que, na verdade, são “sepulcros caiados” (metáfora bíblica: belo por fora, mas com interior em putrefação), vi medida das mais descaradas: as escovas de dente têm seus cabos cortados. As presas escovam os dentes com um “toquinho”, difícil de ser manuseado. A diretora, orgulhosa daquele zelo pela segurança delas, justificou a prática: “é que elas poderiam utilizar a escova para ferir alguém”. Os dentes... ora, pra quê dentes saudáveis em presos?

Mas em São Mateus, na PRSM – Penitenciária Regional de São Mateus -, em recente inspeção que fizemos acompanhando o Conselho da Comunidade daquela Comarca, parece que inovaram no abuso.

Ao entrarmos na sala onde são armazenados os produtos de higiene pessoal e limpeza, a gerente da empresa administradora foi logo mostrando o desodorante que é distribuído às presas. Havia certo orgulho da sua parte, como que querendo dizer: “vejam, tratamos tão bem elas que até desodorante elas recebem”.

No entanto, ao abrir o frasco, dizendo tratar-se de “rolon” (roll on), foi logo dizendo que a bolinha – aquela bolinha típica dos “rolons”- é retirada, pois as presas não poderiam receber os frascos com aquilo, e enviadas para uma instituição que trabalha com reciclagem de materiais descartados.

O juiz que estava conosco, portanto, foi logo dizendo que aquilo já não poderia mais chamar-se “rolon”.

Intrigado, perguntei pela razão daquela medida: “ah, doutor, imagina alguém introduzindo uma bolinha dessas no seu ânus!”, respondeu-me aquela “diligente” senhora.

Respondi que me causaria maior violência se introduzissem o frasco.

É assim, tem sido assim.

Como disse um arguto conselheiro daquele Conselho da Comunidade: “parece que alguém fica pensando em algo, mesmo que a possibilidade de acontecer seja absurda, para que alguma medida disciplinar seja imposta ao preso”.

Mas pode tornar-se diferente.

Primeiro, precisamos recusar que aqueles homens e mulheres encarcerados continuem sendo violentados no interior das prisões.

Segundo, precisamos, todos nós, recusar o cárcere. Recusá-lo pra quem quer que seja. Precisamos desenvolver meios de solucionar conflitos sem o expediente do cárcere. Precisamos começar a criar alternativas para que logo logo possamos presenciar o fim dessa instituição que tanta dor tem causado à pessoa humana.