In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 225, p. 01, ago., 2011.
A execução penal constitui, sem sombra de dúvidas, uma das etapas de maior tensão de toda a dinâmica da intervenção penal. E isso não é de hoje. Desde que se tenta encontrar fins para a pena – e aí se vão alguns séculos de teorias e fórmulas que parecem primar pela artificialidade e pela falta de contato com a realidade – a utilidade da resposta penal tem informado a pauta diária das iniciativas legislativas envolvendo o cumprimento da condenação. Sobretudo a partir de Feuerbach, que viu na ameaça penal um mecanismo eficaz de coação psicológica, e de Von Liszt e Beccaria, com a defesa da prevenção especial positiva (ressocialização), o discurso preventista vem representando o fio condutor desse debate. No Brasil, tal perspectiva está expressamente consignada, desde a década de 80, em dispositivos legais, como o art. 59 do Código Penal e o art. 1º da Lei de Execução Penal.
A Lei nº 12.433, promulgada em 29 de junho desse ano, veio inspirada no ideal ressocializador. A par de eventuais críticas que lhe possam ser dirigidas por reforçar o prevencionismo – meta de alcance sempre indemonstrável – parece ser induvidoso que a admissão do estudo durante a execução, de forma expressa pela lei, como requisito para a remição da pena, é providência que tende a minimizar os efeitos dessocializadores do cárcere. E por uma razão muito simples: ela proporciona, mediante um estímulo positivo para a vida futura do condenado, o abreviamento da pena.
A nova lei alterou quatro artigos da LEP (arts. 126 a 129). Com isso, introduziu, de lege lata, um pressuposto para a remição da pena que já vinha sendo reconhecido pela jurisprudência, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme estabelecido na Súmula 341, segundo a qual “a frequência a curso de ensino formal é causa de remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semiaberto”. Sem a lei, entretanto, não existiam critérios para a remição em virtude do estudo (nível dos cursos, proporção entre tempo de atividade e dias remidos, hipóteses de revogação etc.), lacuna que entregava ao juiz margem extrema de discricionariedade para decidir. E a excessiva discricionariedade é sempre incompatível com o respeito à igualdade.
Muito bem-vinda, portanto, a definição normativa de aspectos, como, por exemplo, a possibilidade de remição pelo estudo em praticamente todos os níveis educacionais (fundamental, médio, profissionalizante, superior e requalificação profissional), inclusive fora do estabelecimento penal e em virtude de atividades presenciais ou à distância, tanto para a prisão decorrente de condenação quanto para a prisão cautelar, questões que ficavam antes sujeitas a critérios que cada juiz elegia no caso concreto, muitas vezes diversamente, implicando tratamento diferenciado para situações análogas.
Mas é bom ressaltar que alguns pontos da nova disciplina legal merecem reflexão cuidadosa para que garantias fundamentais não venham a ser afetadas pelo rigor de uma interpretação literal. É o que ocorre com a diferenciação de regimes de cumprimento da pena na remição pelo estudo e pelo trabalho. Aquele pode remir a pena executada em qualquer regime (fechado, semiaberto e aberto) ou mesmo durante o livramento condicional. Este só autoriza a remição quando realizado nos regimes fechado e semiaberto. Não há, aparentemente, justificativa para que tenha permanecido a restrição aos dois regimes mais graves na concessão do benefício em razão do trabalho. E dois motivos, pelo menos, recomendariam o contrário. Primeiro, tanto o estudo quanto o trabalho são atividades que proporcionam a minimização dos efeitos dessocializadores do cárcere, em qualquer regime de execução. Segundo, a própria lei admitiu a cumulação entre estudo e trabalho para fins de remição, desde que haja compatibilidade de horários (art. 126, § 3º, da LEP). Não há sentido em admitir a cumulação, porém restringir um dos critérios – o do trabalho – aos regimes mais rigorosos de cumprimento da pena.
A nova lei tem natureza penal e trata de prisão. Sua retroatividade benéfica é, portanto, tema incontroverso. Os condenados que já vinham estudando durante a execução têm direito à remição, calculada com base no período de atividades anterior à entrada em vigor da Lei nº 12.433/11, inclusive em regime aberto ou no curso de livramento condicional. Aqueles que, em virtude de falta grave, perderam todo o tempo remido – conforme estabelecia a antiga redação do art. 127 da LEP – têm direito ao reexame judicial desse período, que só poderá ser revogado, agora, até o limite de 1/3 (um terço). Milhares de condenados podem ser beneficiados por um comprometimento que assumiram antes mesmo que a lei os favorecesse.
Mudanças pressupõem reconsideração de ideias, mas nunca o abandono de princípios. A superação definitiva do paradigma prisional, cujas consequências danosas são, desde sempre, sentidas, depende da escolha de novos rumos para a execução penal, que não incluam lances de criatividade perversa, como os que permitiram a conversão de prisões em verdadeiras jaulas em pleno século XXI. Se, por um lado, o ideal ressocializador é passível de críticas por pressupor, de certa forma, uma submissão do condenado a valores que podem não ser os que ele elegeu, parece ser inquestionável que é, ainda, a meta da reinserção social o que torna o cumprimento da pena menos desumano. E todas as iniciativas legislativas que tenderem à realização dessa meta serão, portanto, bem-vindas.
Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/site/boletim/exibir_artigos.php?id=4411
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