quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA SITIADOS EM SÃO PAULO

“Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada numa harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos sob a proteção de Deus a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. (Preâmbulo da Constituição Federal de 1988)

Em apenas 30 dias o Estado de São Paulo prenuncia o rompimento com a República Federativa do Brasil violando a Constituição Federal de 1988 por omitir do artigo 1º ao 227 da Carta Magna, violando todos os Tratados e Convenções de Direitos Humanos do qual o Brasil é signatário.

A sociedade Civil e entidades de atuação em Direitos Humanos, redes de serviços de saúde e social e demais movimentos sociais sentem São Paulo sitiado, na medida em que Governo Estadual, a Prefeitura de São Paulo, a Prefeitura de São José dos Campos, o Tribunal de Justiça do Estado e a omissão do Ministério Público Estadual protagonizaram na história do país, que em menos de um mês desencadeou uma onda de violações de Direitos Humanos, massacrando, torturando, agredindo, espoliando pessoas de menor potencial econômico.

Os poderes constituídos pela legitimação constitucional e republicana não cumprem os desígnios democráticos dos princípios políticos e jurídicos, passando longe do preâmbulo constitucional.

No final de dezembro assistimos um incêndio criminoso na favela do Moinho, sendo que até hoje as famílias não foram atendidas pelas políticas públicas, nem de moradia e nem de assistência social, ao contrário, a população que perdeu a moradia num suposto incêndio criminoso além de estarem na rua, são constantemente agredidos e torturados por policiais militares.

No ultimo dia 2 de janeiro em pleno recesso do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal, em operação conjunta entre Prefeitura de São Paulo e Governo de Estado, a Policia Militar com apoio do Tribunal de Justiça (mesmo em recesso) deflagraram uma completa higienização social, transformando os bairros de Campos Elíseos e da Luz numa praça de guerra e num campo de concentração, decretando Estado de exceção à população em situação de rua e usuários de crak e outras drogas, com a escusa de combater o tráfico de entorpecentes.

Relatos que ainda estão sendo colhidos revelam que a PM cometeu todo tipo de agressão física, psicológica e tortura, entre elas a prática de fazer grupos moradores andarem em círculos até caírem no chão de exaustão. A PM durante dias ocupou o bairro, torturou pessoas na rua, e não obstante passou a atacar trabalhadores pobres despejando milhares de pessoas de dentro de suas casas de aluguel. O pano de fundo desta operação militarizada é um Governo Municipal e Estadual a serviço da especulação imobiliária, cujo projeto de remodelação urbana denominadas de "Barra Funda - Água Branca" e "Nova Luz" afeta tanto a Favela do Moinho incendiada como a área conhecida como "Cracolândia".  Estima-se que a operação militar tenha custado aos cofres públicos mais de 3 milhões de reais.

Centenas de pessoas foram presas, mas nenhum traficante de grande porte, e aos usuários nenhum serviço de saúde foi oferecido e qualquer política de moradia está sendo ofertada.  Ao contrário a Prefeitura está neste momento efetuando as expropriações privadas entregando-a a empresários do setor imobiliário.

Iniciativas tímidas tomadas pelo Ministério Público da coordenação de Direitos Humanos, foram veemente repelidas pelos colegas promotores que ocupam cargos no executivo, deixando a sociedade sem poder de controle externo e fiscalização. 

No caso do Pinheirinho em São José dos Campos a estratégia militar não foi diferente do que ocorreu dias antes na "cracolândia" na Capital, sempre de surpresa agiram com truculência e procedimento de guerra, tratando a população como inimigos.  Apesar do acordo firmado com as liderança políticas e entes governamentais no dia 18 de janeiro, a juíza Márcia Maria Mathey da 6ª Vara Cível do Foro de São José dos Campos no dia 20 ignorou o acordo e mandou cumprir a ordem.

As imagens e o noticiário que circularam pela mídia dão conta de quão cruel e covarde foi a operação de desocupação, bem como  revelam todo tipo de truculência e desrespeito ao ser humano. O que as imagens não revelam são fatos atípicos, porém corriqueiros em São Paulo, que colocam o estado democrático de direito em xeque.

O mais  grave desta reintegração de posse é que o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio do assessor do presidente do TJSP - Rodrigo Capez, irmão do promotor de justiça e atualmente deputado estadual pelo PSDB Fernando Capez, é quem conduziu a operação pinheirinho junto com o Comando da Tropa de Choque da PM.  

Outro fato relatado pelo deputado estadual Marco Aurélio, que apesar do Comandante receber um mandado liminar do Tribunal Regional Federal suspendendo a desocupação denegou o cumprimento alegando não receber ordens a não ser do Governador Geraldo Alckmin e do Presidente do Tribunal de Justiça. Com relação ao imóvel com dividas de impostos territoriais em R$ 16 milhões e a massa falida ser devedora da Fazenda estadual, os custos desta operação pode ter ultrapassado a R$ 2 milhões de reais com a mobilização de mais de dois mil homens da PM além de três helicópteros, armas e bombas, máquinas, tratores e caminhões. 

Mais uma vez vimos o Estado Militar trabalhando em favor do capital especulativo em detrimento da violação dos direitos humanos e moradia da população pobre. Ainda hoje as 6 mil pessoas estão sitiadas em 3 acampamentos, 2 cedidos pela Prefeitura, em condições infra-humanas, sem água, banheiros, alimentação precária, e estão sendo vigiados pela PM e possuem proibição de saírem dos alojamentos. O Conselho Tutelar não compareceu no despejo e nem comparece nos alojamentos.

As imagens transmitidas pela mídia oficial e pelos blogs tanto no caso Pinheirinho como no caso da "Cracolândia", são suficientes para demonstrar o resultado da guerra que o Estado de São Paulo patrocinou contra pessoas desarmadas e famintas por Justiça Social, em que o peso ao Capital imobiliário e especulativo tem mais valor do que a vida humana, rompendo-se com estado democrático de direito.

O MNDH-SP não dissocia nestes 30 dias nenhuma das operações da Policia Militar a mando do Governo do Estado, pois há pelo menos duas coincidências que antecedem as estes episódios: 1 – No caso da “cracâlândia” o Ministro da Saúde Padilha havia estudado o caso da situação de usuários  de crak em São Paulo e estava para lançar e apoiar pelo menos dois projetos na Cidade para atendimento de saúde e social aos usuários, mas o Governo do Estado se antecipou no que chama de “operação Cracolândia”. 2 – No caso do Pinheirinho o Ministério das Cidades estava presente nas negociações para solucionar a demanda, acordo pautado dia 18 de janeiro perante a 18º Vara Cível no processo de falência e mais uma vez o Governo do estado se antecipou. O recado dado é que em São Paulo os Direitos Humanos e a democracia estão sitiados, e o diálogo é com a PM.

Embora na vigência do estado democrático de direito, o que assistimos neste momento é um Governo Militar em que os direitos políticos e civis das pessoas não são respeitados, havendo um poder centralizado no Palácio dos Bandeirantes que controla a Justiça, o Legislativo e também o Ministério Público e todo poder emana da Policia Militar.

Estranhamente com a quantidade de violações a Constituição Federal e a outras normas, o Procurados Geral do Estado permanece inerte.  

Entidades do MNDH de SP, solicitaram ao CONDEPE-SP - Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana que  promova um relatório oficial sobre os 3 casos graves de violações de Direitos Humanos e que afeta a toda sociedade paulista e brasileira, colhendo depoimentos, imagens e outras provas sobre tais violações constantes e permanentes patrocinadas pelo Estado, com o fito de mostrar as autoridades políticas brasileiras para que percebam que a Constituição Federal não vigora no Governo do Estado atualmente, colocando em risco a democracia conquistada as duras penas e garantidas na Lei.

A independência dos três poderes deve ser garantida sob pena da República estar correndo o risco de ser banida nas esferas públicas e políticas. A Polícia Militar não cumpre seus desígnios constitucionais e nem protege a população, continuando a promover um verdadeiro controle militar social.

Estes fatos devem ser alvos de Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, mas como em SP o legislativo há 10 não é aprovada nehuma CPI por submissão da maioria dos parlamentares ao império do PSDB, deve ser iniciado uma CPI no Congresso Nacional ante a quebra do pacto Federativo permeado na Constituição Federal, e pelo fato das violações contumazes de todas as instituições no Estado de São Paulo aos Direitos Humanos seja por ação seja por omissão.

O CONDEPE – Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana realizará no dia 30 de janeiro na Câmara Municipal de São José dos Campos uma audiência Pública. No dia 7 de fevereiro estará colhendo relatórios sobre a situação da “Operação Cracolândia” e da favela do Moinho.

O MNDH-SP repudia ao fascismo do PSDB paulista e de seu Governador que aparelhado pelo capital imobiliário e especulativo, deturpa as instituições públicas o seu bel prazer e rasga a Constituição Federal, e deve ser responsabilizado por todas as violações cometidas pelo seu exercito particular (PM), pois a sociedade não aceita ser governado por este militarismo.

Rildo Marques de Oliveira

MNDH-SP

Coordenação Nacional do MNDH

Foto: Roosevelt Cassio /Reuters

Nota de repúdio: caso Alexandre Estevão Ramos (nota do CRESS 17ª REGIÃO/ES)

O anúncio do falecimento do jovem Alexandre Estevão Ramos, de 20 anos, no último dia 03 de janeiro de 2011 trouxe tristeza e indignação não só para os seus amigos e familiares, mas para todos(as) aqueles(as) que lutam por equidade, por justiça social e pela defesa dos direitos humanos

A trágica condição humana em que se encontrava ao falecer, reflete a sua trajetória pessoal vinculada nos últimos anos aos órgãos de (des)proteção social e de (in)segurança do Estado.

Segundo relatos da imprensa local e de movimentos de defesa dos direitos humanos, a história de sofrimento de Alexandre começou com um tiro dado pela polícia em suas costas em março de 2010, que o deixou paraplégico. O socorro só viria três horas após ter sido baleado, quando moradores acionaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.

Depois de passar por alguns hospitais ficou preso na Penitenciária de Segurança Máxima I (PSMA-I), em Viana. Sem cuidados médicos adequados na Unidade de Saúde Prisional e com infecção generalizada, teve suas duas pernas amputadas e, finalmente, a sua vida ceifada.

Esse não é um caso isolado. A história do jovem Alexandre se entrelaça com tantas outras de brasileiros, jovens, negros e pobres, que em seus cotidianos sofrem a ação violenta e discriminatória do Estado. Por um lado, a violência institucionalizada, e por outro, a total desresponsabilização desse mesmo Estado em garantir políticas sociais públicas, universais e de qualidade que atendam as necessidades da nossa juventude.

A ausência de políticas estaduais mais amplas e preventivas, voltadas para a juventude, em especial para a juventude negra e pobre, só tem agravado o quadro de violência, de violação de direitos humanos e de (des)proteção desse segmento, face às mazelas do capitalismo.

Afirmamos, a partir da história de Alexandre, nossa insatisfação e repúdio à política de segurança que continua sendo adotada no ES, marcada pelo desrespeito e violação dos direitos humanos, tortura, criminalização dos pobres e desumanização no atendimento.

CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL 17ª REGIÃO/ES

GESTÃO “RESISTIR PARA TRANSFORMAR”

sábado, 21 de janeiro de 2012

Fugir para contar

                 Gilvan Vitorino C. S.
Gabriel García Márquez (em Viver para contar) afirma que não é possível construir um personagem (que tem máscara de humano, digo eu) apartado da personalidade dos indivíduos reais.

Ora, assim, a arte imita a vida...

Mas, sei que a vida também imita a arte.
Quando assistimos a um filme em que há um prisioneiro numa prisão infernal, saudamos sua atitude quando ele consegue fugir daquele inferno.  Quem não se emocionou com a fuga do protagonista do filme “O expresso da meia noite”?

Há muitas versões de prisões: todas elas, de uma forma ou de outra - porque aprisionam (!) - são infernais, produtoras de morte (mesmo que seja uma morte sem sangue...). Dentro das prisões, mesmo quando o presídio sai bem na foto, não há e não pode haver vida, uma mínima vida com dignidade. Seja qual for a cela, ela alberga o choro, a tristeza, a dor, a desesperança, a saudade em demasia (e saudade em demasia fere), a abstinência sexual involuntária (que pode enlouquecer), a separação de famílias, a sujeição de um indivíduo a outro (maior sujeição do que a comum, encontrada em outros espaços). Uma cela alberga o ódio, a tortura, a doença... E, frequentemente, alberga a ociosidade, fazendo do “tempo que não anda” uma permanente dor.
Dentro de uma cela, mesmo aquelas celas de algumas prisões da Europa (divulgadas pela rede como se fossem quartos de hotéis), tempo e espaço são os maiores inimigos do homem encarcerado – pois sobra tempo e falta espaço.

Ora, então, confesso: não lamento quando alguém escapa dos espaços infernais contidos nas instituições prisionais. Pois cada fuga, de alguma forma, abole a prisão, ainda que somente a prisão do indivíduo que vai.
Segundo o que tenho lido e verificado nas unidades prisionais, atento às várias formas de tortura e maus tratos, digo, com muita convicção, que não há encarceramento que não seja violento, com tortura e maus tratos... Mas, para concordar comigo, é preciso ver além do que mostram as sombras (e bem mais além do que uma fotografia pode expor).

Há muita ilegalidade produzida pela SEJUS-ES na execução das penas privativas de liberdade. Algumas delas afrontam e muito a dignidade humana.
A tortura é mais comum dentro das unidades prisionais do que comumente se imagina.

Em A Tribuna do dia 18 de janeiro deste ano, na página 36, que deu ampla repercussão à iniciativa do Desembargador Presidente do TJ-ES de não dar trégua aos torturadores, assim se pronunciou o Secretário de Justiça: “Não podemos aceitar a tortura. É um ato de covardia. Tal prática não pode ser aceita”.

Ora, então o secretário Ângelo Roncalli é contra a prática da tortura?

E o que é tortura?
De acordo com a lei 9455, de 7 de abril de 1997:
                      
                        Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;

b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa;

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.


É preciso dar a devida importância àquilo que tem sido posto de lado quando se discute acerca da tortura. A lei fala de intenso sofrimento físico e mental.

Quando se fala em tortura, o que de pronto se concebe, revelando um grave erro, são atos como os relatados a seguir:
No decorrer de nossa pesquisa, a Human Rights Watch entrevistou dezenas de presos que descreveram, com credibilidade, terem sido torturados em delegacias de polícia. Normalmente, os presos eram despidos, pendurados em um “pau-de-arara” e submetidos a espancamentos, choques elétricos e quase-afogamentos. (Protegendo os brasileiros contra a tortura: Um Manual para Juízes, Promotores, Defensores Públicos e Advogados, p. 55)

 O erro está em não considerar as outras formas de tortura. Trata-se de atos tão banais, que parece exagero citá-los. Mas, a obra Monitoramento de locais de detenção: um guia prático, não os despreza.

As equipes de visita [que monitoram os locais de detenção] devem saber que há práticas, que podem não cair na definição clássica de tortura, as quais são mais difíceis de detectar, e que podem, em longo prazo, destruir o equilíbrio psicológico de quem está privado de liberdade. Estas são muito perigosas, já que com frequência os detentos vítimas dessas práticas estão tão acostumados a esse tratamento que nem sempre estão em posição de identificar e informar sobre as mesmas de forma explícita. (p. 13 a 104)

Ora, se até na Academia e nos movimentos sociais tais formas de tortura são desconsideradas, mais ainda o são no meio dos presos.

Segundo o guia, são exemplos destas práticas:

·         ignorar sistematicamente uma solicitação até que ela se repita várias vezes;
·         dirigir-se às pessoas privadas de liberdade como se fossem crianças pequenas;
·         nunca olhar os detentos nos olhos;
·         trancar os detentos em suas celas repentinamente, sem razão alguma;
·         criar um clima de desconfiança entre os detentos;
·         permitir o descumprimento do regimento uma vez e castigar caso não se cumpra em outra oportunidade, etc. (p. 104).

Creio não ser por acaso que a LEP – lei 7210/84 – prescreve como direito do preso ser chamado pelo nome, repelindo os tratamentos pelos apelidos que, em geral, são tão jocosos, humilhantes...

Ainda, talvez uma das formas de tortura mais comum no interior das unidades prisionais, chamada pelo Protocolo de Istambul de tortura posicional:

Todas as formas de tortura de posição visam directamente os tendões, articulações ou músculos. Existem vários métodos: “suspensão de papagaio”, “posição de banana” ou o clássico “laço banana” sobre uma cadeira ou simplesmente no chão, posição de bicicleta, manutenção da pessoa de pé durante longo tempo, apoiada num ou nos dois pés ou com os braços e mãos esticados para cima contra uma parede, manutenção da pessoa de cócoras durante longo tempo e imobilização forçada numa pequena jaula. (p. 61)

Ora, mas alguém poderá dizer: mas, diante de tudo o que acontece nas prisões,não será exagero pleitear um tratamento desse nível?

Ao que respondo: a ninguém cabe selecionar direitos para o preso. A ele, tudo o que a sentença condenatória não retirou e não poderia retirar. Ele, que está e sempre deverá estar albergado pela Constituição Federal  (Art. 5° XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral), permanece com todos os direitos, na medida do que prescreve a LEP: Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.

Portanto, posto que tortura é mais do que aquilo que mostram os filmes hollywoodianos (pau de arara, espancamentos, choques elétricos, etc), voltemos à declaração do secretário de Justiça: “Não podemos aceitar a tortura. É um ato de covardia. Tal prática não pode ser aceita”.

Será?

Ou alguma tortura faz parte do disciplinamento nas unidades prisionais, portanto, seria uma tortura aceitável pelo Estado?

Ora, a rebelião que as presas provocaram em Tucum, em 2011, embora estivessem numa unidade prisional pavorosa, dentre outros motivos, foi porque temiam ir para o complexo de Xuri.

Mas, as unidades de Xuri não eram exemplares?

É que lá elas temiam enlouquecer... com o disciplinamento, mais conhecido como tortura psicológica.












quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Poder ou violência? Ou Como um juiz, assessorado por um acusador, contribui com a violência do Estado

                        Gilvan Vitorino C. S.
 
Para Hannah Arendt, segundo sua obra “Sobre a violência”, uma ação será ato de poder se for conforme a legalidade (legítima legalidade); e será ato de violência se for em desconformidade com a legítima legalidade.
A lei 7960, de 21 de dezembro 1989, instituiu a prisão temporária.
Eis os motivos que podem ensejar uma prisão temporária:
                                    Art. 1° Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Ademais, a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, denominada Lei dos Crimes Hediondos, prescreveu em seu artigo 2º, parágrafo 4º, que todos os crimes ali listados poderiam ensejar prisão temporária. Assim, à lista deve-se acrescentar os crimes de tortura e genocídio
Assim, sem rodeios, fica claro que a prisao temporária decretada para o estudante acusado de incendiar o ônibus foi claramente um ato de abuso de autoridade, tal como prescreve lei 4898, de 9 dezembro de 1965:
art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a)    ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
[...]
O abuso de poder fica caracterizado quando o ato (de quem tem algum poder – então, uma autoridade pública) se afasta da legalidade.
Mas, há mais a ser tratado em face da decretação da prisão temporária daquele jovem.
Ora, qual parece ser o motivo da prisão?
É que algo deveria – segundo o interesse das autoridades do  nosso estado – acontecer com aquele indivíduo. Já que não foi possível a prisão em flagrante, um exemplar exercício de força deveria ser promovido para que a sociedade visse que o Estado estava atento. E, porque já falamos que foi um ato fora dos limites da legalidade, foi, portanto, um ato de violência – segundo a concepção de violência de Hannah Arendt.
E a prisão preventiva, por que não a decretou o juiz competente? É que faltavam os indícios claros da autoria... (embora nesse Brasil nosso a decretação da prisão preventiva poucas vezes se restringe aos limites constitucionais e legais).
Fizeram, portanto, uma prisão para constrangimento: para que o jovem falasse tudo, persuadido pelas técnicas de investigação. E para que a sociedade percebesse a força do Estado...
O presidente da OAB-ES, Homero Mafra, em A Tribuna do dia 18 de janeiro, já havia dito que se tratou de uma prisão ilegal... Eis o que ele disse: “A prisão é desproporcional e descabida. Não se prende mais porque o fato foi grave e sim como um instrumento para coagir a pessoa a falar o que se gostaria. Há o direito do silêncio”.
Quanto às manifestações contra o aumento do preço das passagens, subscrevo a nota pública do Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH) e da Comissão Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de Vitória, entidades presididas respectivamente por Gilmar Ferreira de Oliveira e Luiz Antônio Dagiós.  
Eis a nota:

16 de janeiro de 2012
Nota Pública

O Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH) e a Comissão Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de Vitória vêm por meio desta manifestar-se sobre os acontecimentos relacionados ao movimento contra o aumento da passagem urbana ocorrido na Região Metropolitana de Vitória:
- Condenamos a recusa de diálogo por ambos os lados e repudiamos qualquer forma de violência, e também o uso da força desproporcional da polícia para a repressão de manifestações sociais;
- Exigimos a apuração rigorosa da queima de ônibus para identificação e responsabilização dos verdadeiros autores, pois assim evitamos a criminalização generalizada dos movimentos sociais;
- Apelamos aos manifestantes para que não interditem totalmente as vias públicas, garantindo o direito de ir e vir da população;
- Propomos que os coordenadores do movimento dos últimos acontecimentos avaliem a metodologia e a organização das ações, com o objetivo de evitar possíveis constrangimentos.
Sabemos que, historicamente, essa pauta remonta ao ano de 2005 quando o movimento estudantil foi às ruas manifestar-se contra o aumento concedido pelo governo em vigor na época. Trata-se de uma reivindicação legítima e histórica que vem assumindo contornos e ações que tem provocado na sociedade uma série de reflexões e posicionamentos.
Sugerimos dois encaminhamentos: que o debate seja ampliado e aprofundado pela convocação da Conferência Estadual de Mobilidade Urbana; e que seja firmado um protocolo de intenções entre o Governo Estadual e os Movimentos Sociais que orientem as ações de ambos em relação às manifestações públicas.
Em tempo: anda tenho certo que o Estado deve atuar com cautela quanto ao uso da sua força, tal como já escrevi em artigo, publicado no blog “Por um mundo sem prisões”, intitulado A vassoura e a espingarda.