quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Poder ou violência? Ou Como um juiz, assessorado por um acusador, contribui com a violência do Estado

                        Gilvan Vitorino C. S.
 
Para Hannah Arendt, segundo sua obra “Sobre a violência”, uma ação será ato de poder se for conforme a legalidade (legítima legalidade); e será ato de violência se for em desconformidade com a legítima legalidade.
A lei 7960, de 21 de dezembro 1989, instituiu a prisão temporária.
Eis os motivos que podem ensejar uma prisão temporária:
                                    Art. 1° Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Ademais, a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, denominada Lei dos Crimes Hediondos, prescreveu em seu artigo 2º, parágrafo 4º, que todos os crimes ali listados poderiam ensejar prisão temporária. Assim, à lista deve-se acrescentar os crimes de tortura e genocídio
Assim, sem rodeios, fica claro que a prisao temporária decretada para o estudante acusado de incendiar o ônibus foi claramente um ato de abuso de autoridade, tal como prescreve lei 4898, de 9 dezembro de 1965:
art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a)    ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
[...]
O abuso de poder fica caracterizado quando o ato (de quem tem algum poder – então, uma autoridade pública) se afasta da legalidade.
Mas, há mais a ser tratado em face da decretação da prisão temporária daquele jovem.
Ora, qual parece ser o motivo da prisão?
É que algo deveria – segundo o interesse das autoridades do  nosso estado – acontecer com aquele indivíduo. Já que não foi possível a prisão em flagrante, um exemplar exercício de força deveria ser promovido para que a sociedade visse que o Estado estava atento. E, porque já falamos que foi um ato fora dos limites da legalidade, foi, portanto, um ato de violência – segundo a concepção de violência de Hannah Arendt.
E a prisão preventiva, por que não a decretou o juiz competente? É que faltavam os indícios claros da autoria... (embora nesse Brasil nosso a decretação da prisão preventiva poucas vezes se restringe aos limites constitucionais e legais).
Fizeram, portanto, uma prisão para constrangimento: para que o jovem falasse tudo, persuadido pelas técnicas de investigação. E para que a sociedade percebesse a força do Estado...
O presidente da OAB-ES, Homero Mafra, em A Tribuna do dia 18 de janeiro, já havia dito que se tratou de uma prisão ilegal... Eis o que ele disse: “A prisão é desproporcional e descabida. Não se prende mais porque o fato foi grave e sim como um instrumento para coagir a pessoa a falar o que se gostaria. Há o direito do silêncio”.
Quanto às manifestações contra o aumento do preço das passagens, subscrevo a nota pública do Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH) e da Comissão Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de Vitória, entidades presididas respectivamente por Gilmar Ferreira de Oliveira e Luiz Antônio Dagiós.  
Eis a nota:

16 de janeiro de 2012
Nota Pública

O Conselho Estadual dos Direitos Humanos (CEDH) e a Comissão Justiça e Paz (CJP) da Arquidiocese de Vitória vêm por meio desta manifestar-se sobre os acontecimentos relacionados ao movimento contra o aumento da passagem urbana ocorrido na Região Metropolitana de Vitória:
- Condenamos a recusa de diálogo por ambos os lados e repudiamos qualquer forma de violência, e também o uso da força desproporcional da polícia para a repressão de manifestações sociais;
- Exigimos a apuração rigorosa da queima de ônibus para identificação e responsabilização dos verdadeiros autores, pois assim evitamos a criminalização generalizada dos movimentos sociais;
- Apelamos aos manifestantes para que não interditem totalmente as vias públicas, garantindo o direito de ir e vir da população;
- Propomos que os coordenadores do movimento dos últimos acontecimentos avaliem a metodologia e a organização das ações, com o objetivo de evitar possíveis constrangimentos.
Sabemos que, historicamente, essa pauta remonta ao ano de 2005 quando o movimento estudantil foi às ruas manifestar-se contra o aumento concedido pelo governo em vigor na época. Trata-se de uma reivindicação legítima e histórica que vem assumindo contornos e ações que tem provocado na sociedade uma série de reflexões e posicionamentos.
Sugerimos dois encaminhamentos: que o debate seja ampliado e aprofundado pela convocação da Conferência Estadual de Mobilidade Urbana; e que seja firmado um protocolo de intenções entre o Governo Estadual e os Movimentos Sociais que orientem as ações de ambos em relação às manifestações públicas.
Em tempo: anda tenho certo que o Estado deve atuar com cautela quanto ao uso da sua força, tal como já escrevi em artigo, publicado no blog “Por um mundo sem prisões”, intitulado A vassoura e a espingarda.

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