O país redemocratizou-se há mais de vinte anos, mas um substrato cultural autoritário teima em resistir ao processo democratizador.
Uma Constituição foi votada com intensa
participação popular, como nunca havia acontecido no transcurso de nossa
História. A Assembleia Constituinte, que votou a Constituição de 1988, abriu-se
à escuta dos anseios da cidadania. Dessa escuta resultaram emendas populares
assinadas por cerca de quinze milhões de eleitores, inclusive no Espírito
Santo. As vozes da rua pleitearam Justiça Social, Educação, Democracia,
Direitos Humanos. Não houve emendas populares pedindo o retrocesso
institucional, o endurecimento da repressão, a supressão de garantias.
Chegava-se ao fim do túnel e a comunidade nacional queria respirar Liberdade.
Entretanto, em contraste com a esperança de
um novo ciclo histórico, bolsões de pensamento e comportamento ditatorial
permaneceram em muitas instituições e espaços sociais, inclusive na Justiça, na
Polícia, em órgãos de Governo, na Universidade, nos meios de comunicação.
É esse substrato cultural autoritário que
está atrás de atos de violência praticados por autoridades públicas contra o
cidadão. É esse substrato cultural que faz com que a Polícia e também a Justiça
presumam a culpa e determinem que a inocência seja provada. É esse substrato que admite que, na
persecução do crime, vidas de inocentes possam ser sacrificadas. É esse
substrato que não aceita a ação dos advogados, nos inquéritos policiais e nos processos
judiciais. O advogado é visto como “inimigo público”. Não entra na cabeça dos
ideólogos da repressão a ideia de que o advogado não defende o crime, mas sim o
acusado de um crime ou até mesmo o culpado. Sem a presença altiva do advogado
não se tem julgamento, mas farsa.
A violência urbana, que com razão amedronta
o povo, encoraja a ideologia da repressão. Segundo essa ideologia, tropas
especializadas, com atiradores de elite, estão autorizadas a matar, uma vez que
se encontram no desempenho de papel estratégico para preservar a segurança
pública. O resultado disso é uma ilusória segurança.
Faz-se indispensável uma discussão ampla
sobre o papel da Polícia, discussão essa a ser travada dentro da corporação
policial e também no seio da sociedade. Em muitas situações concretas, é a
população que pede à Polícia “mão de ferro˜, deixando de lado os princípios
constitucionais.
Dentro do organismo policial, milhares de
vozes discordam de atitudes assumidas ao arrepio da lei e lutam bravamente para
que tenhamos no país uma Polícia democrática.
João
Baptista Herkenhoff é Supervisor da Coordenação Pedagógica da Faculdade Estácio
de Sá de Vitória e escritor. Autor de: Curso de
Direitos Humanos (Editora
Santuário, Aparecida, SP).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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