João Baptista Herkenhoff
A Gazeta, em sua edição de vinte e sete de maio
passado, abriu manchete: Inquéritos contra ex-líder da Pastoral Carcerária são
arquivados.
No texto da notícia, lê-se:
“Foram seis anos em que não faltaram noites
maldormidas, angústia, medo, lágrimas. Como Isabel Aparecida Borges, 67 anos,
faz questão de dizer, um longo período em que viveu como se estivesse com uma
faca no pescoço.””
Em outro trecho da matéria, o jornal esclarece:
“A pedido do Ministério Público Estadual, os inquéritos
abertos contra Isabel, pela polícia, foram arquivados pela Justiça. A
justificativa: ausência de materialidade e autoria de prática criminosa.”
É preciso explicar o que significa tudo isso para
que todos sejam capazes de entender, mesmo os leigos em Direito.
O Ministério Público, na forma da Constituição
Federal, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis.
O Ministério Público é o titular da ação penal.
Quando o Ministério Público verifica a materialidade de um delito e indícios
suficientes de autoria, seu dever é o de formular a denúncia, dando início à
ação penal.
Quando o delito não se materializa e indícios de
autoria não se fazem presentes, o Ministério Público opta
pelo arquivamento. Observe-se que para decidir pela denúncia o
Ministério Público não tem necessidade de estar convencido da culpabilidade.
Para este fim basta que se unam os dois elementos citados: materialidade do
crime e indícios de autoria. Ou dizendo de outra forma: a) para que alguém seja
condenado não bastam indícios de autoria; b) para que esse alguém seja
denunciado os indícios são suficientes.
Nem indícios houve no caso de Isabel Aparecida. As
acusações e suspeitas que pesaram sobre ela não tinham qualquer fundamento,
motivo pelo qual o Ministério Público pediu o arquivamento, deixando assim de
instaurar a ação penal.
Isabel Aparecida ingressou na Pastoral Carcerária
convocada pela Fé Cristã. Frequentava em Vila Velha (ES) a Igreja do Perpétuo
Socorro. Foi a partir da Paróquia que ouviu a voz do Espírito: Estive
preso e me visitaste. (Evangelho segundo Mateus, Capítulo 25, versículo 36).
Não obtante tenha sido educada no seio da Igreja Católica, também por outras
portas poderia Isabel ter sido conduzida ao encontro com os presos. Católicos,
protestantes, espíritas, seguidores de diferentes troncos religiosos
compadecem-se dos encarcerados.
A Pastoral Carcerária está sempre a alertar sobre a
dramática situação das prisões. Como a denúncia nunca pode ser abstrata e
etéria, para exercer esse papel profético a Pastoral tem de colocar o dedo na
ferida e apontar os erros. Pode então ocorrer o equívoco de ver a Pastoral
Carcerária como opositora deste ou daquele Governo, o que não é verdadeiro.
Aconteçam os abusos hoje, amanhã ou daqui a quarenta anos. Ocorram as afrontas
aos direitos do preso no Acre, em Pernambuco, no Ceará, na Bahia, no Espírito
Santo ou no Rio Grande do Sul, a Pastoral Carcerária denunciará e protestará
dizendo: isto não é lícito, isto atenta contra a Constituição Federal e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, preso é gente, preso não é bicho.
Não foi à toa que o grande Sobral Pinto, católico de primeira linha, na defesa
do líder comunista Luís Carlos Prestes, exigiu que em favor do grande Prestes
fosse pelo menos respeitada a Lei de Proteção aos Animais, pois esta lei não
admite que vivente algum seja maltratado.
João Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do
Espírito Santo, palestrante Brasil afora e escritor.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: jbherkenhoff@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente criticando, concordando, discordando e complementando.
Espero, ainda, sua colaboração, enviando textos diversos, segundo os temas de cada área.
Envie seu texto para gilvanvitorino@ig.com.br