João Baptista Herkenhoff
A própria
Polícia pode relaxar uma prisão em flagrante, ou essa atribuição é privativa do
Poder Judiciário?
No tempo em
que fui Juiz de Direito, chancelei a revogação de flagrante por iniciativa da
Autoridade Policial. Louvei inclusive a atitude de Delegados que assim agiram.
Hoje, na condição de Juiz aposentado, só posso falar sobre o assunto
doutrinariamente.
O tema tem
suscitado debate.
A
Constituição Federal diz, peremptoriamente, no artigo quinto, inciso quarenta e
cinco: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária”.
Pinto
Ferreira, numa obra monumental sobre a Constituição de 1988, pensa que “a
autoridade policial não deve, ex propria authoritate, considerar
como indevida a prisão e soltar o preso, pois tal competência é do juiz.”
Na mesma
linha é o pensamento de Celso Ribeiro Bastos: “Ao juiz cabe determinar a
soltura daquele que, de qualquer forma, for ilegalmente preso.”
Em sentido
contrário, Fernando Capez manifesta-se favorável ao relaxamento do flagrante
pelo Delegado de Polícia “quando se encontrasse diante de um fato que tornaria
a prisão abusiva”.
Também a
favor da possibilidade de revogação policial da prisão é o pensamento de João
Romano da Silva Júnior quando argumenta que não cabe retardar a soltura “se o
fato cientificado à autoridade policial se afigurar numa potencial restrição à
liberdade do cidadão e puder desde logo ser sopesado e aquilatado.”
Pelas
citações feitas, já se percebe que a favor ou contra a licitude do relaxamento
policial do flagrante há opiniões de grande peso doutrinário.
Como nos
colocar então à face do dilema?
Creio que a
tese contrária à possibilidade de ser um flagrante relaxado pelo Delegado de
Polícia homenageia a interpretação textual da Constituição. Trata-se da exegese
literal, tão ao gosto dos velhos doutrinadores.
Já os que
defendem que o ato policial, revogatório da prisão ilegal, é jurídico
socorrem-se da exegese teleológica e sociológica.
É sabido que
os magistrados estão sobrecarregados de trabalho. A espera pela revogação
judicial da prisão ilegal pode demorar algum tempo, principalmente quando se
trata de indiciados que não podem pagar advogado. Uma simples noite na prisão
pode destruir uma vida. É desumano impedir que a própria Autoridade Policial reconheça
o abuso da prisão em flagrante e determine, em consequência, a cessação do
constrangimento.
Espero que os
Delegados de Polícia que foram meus alunos (e muitos foram) revoguem as prisões
em flagrante quando se defrontarem com prisões ilegais e por isto mesmo
abusivas. Agindo assim, prestarão homenagem ao ex-professor.
João Baptista
Herkenhoff, professor pesquisador da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo
e escritor. Autor do livro Curso de Direitos Humanos (Editora
Santuário, Aparecida, SP).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
É livre a
divulgação deste artigo, por qualquer meio ou veículo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente criticando, concordando, discordando e complementando.
Espero, ainda, sua colaboração, enviando textos diversos, segundo os temas de cada área.
Envie seu texto para gilvanvitorino@ig.com.br