Quando eu era Juiz de
Direito, em atividade, era chamado por algumas pessoas, pejorativamente, com o
codinome de jurista marginal. O epíteto não me era atribuído pelos leigos em
Direito, o que seria menos doloroso, mas por profissionais que integravam o universo
jurídico
Isto acontecia porque,
seguindo a consciência e por uma questão de foro íntimo, eu dava sentenças que,
naquela época, não guardavam sintonia com o pensamento dominante e a
jurisprudência dos tribunais superiores.
Na década de 1960 –esclareça-se
esta data porque é essencial – preferia absolver a condenar. Optava por dar
penas leves, quando era obrigado a condenar, do que aplicar pesadas penas.
Acreditava na palavra e dialogava com acusados e réus, tratando-os como seres
humanos, portadores de dignidade porque tinham na alma, ainda que trangressores
da lei, o selo de Deus. Confiava em acusados e réus, firmando com eles pactos
de bem viver. Emocionava-me porque nenhuma lei ou código de ética proíbe o juiz
de ter emoções. Colocava nos despachos e decisões a Fé que recebi na infância.
Assim agia por entender que o Estado é laico mas o magistrado, embora
integrando um dos Poderes estatais, pode revelar sua crença, sem ferir a
laicidade do Estado. Esforçava-me por obter acordos, no juízo cível, evitando
que as partes prolongassem as contendas.
Esta visão do Direito não
era, de forma alguma, partilhada, naqueles tempos distantes, pelos magistrados
do andar de cima. Não fosse o apoio entusiástico e a compreensão integral
principalmente de três desembargadores – Carlos Teixeira de Campos, Mário da
Silva Nunes e Homero Mafra – teria sido muito difícil resistir às pressões.
Porque tudo que eu fazia,
era feito com retidão de propósito, o apelido de jurista marginal me magoava
muito.
Certo dia veio-me a inspiração.
Por que eu não transformava a alcunha ofensiva em arma de defesa, de modo a
desarmar os opositores?
Havia, dentre os que se
opunham à conduta judicial adotada, pessoas de espírito nobre, que nada tinham
de pessoal contra o juiz marginal, mas apenas discordavam de seus métodos.
Em homenagem a estes era
preciso dar uma resposta racional e elegante aos questionamentos.
Tudo ponderado, como se diz
no final das sentenças, escrevi um livro, defendendo a orientação adotada nos
decisórios que estavam sendo atacados. Dei ao livro este título: Escritos de um
jurista marginal.
Atribuindo a mim mesmo o
adjetivo nada elogioso, dava nos adversários mentais um dribe decisivo.
A obra foi publicada pela
Livraria do Advogado Editora, de Porto Alegre. Procurei, de caso pensado, uma
editora localizada bem longe do Espírito Santo. Lá das plagas gaúchas, eu
lançaria o livro. Pareceu-me bastante adequado escolher o sul do Brasil para
dar início ao périplo pretendido.
João BaptistaHerkenhoff
é magistrado aposentado, palestrante e escritor. Acaba de publicar Encontro
do Direito com a Poesia – crônicas e escritos leves (GEditora, Rio de
Janeiro).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage:
www.jbherkenhoff.com.br
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