Se o Supremo Tribunal já
jogou uma pá de cal para cobrir os ignóbeis atos de tortura, para que serve a
Comissão da Verdade?
O Supremo Tribunal Federal entendeu
que os torturadores do regime ditatorial, instaurado no Brasil em primeiro de
abril de 1964, foram amparados pela Lei da Anistia, conquistada por pressão do
povo em 28 de agosto de 1979.
Essa decisão da mais alta
corte do país foi lavrada em nove de abril de 2010.
Somente dois ministros
divergiram da maioria: Ayres Britto e Ricardo Lewandovski.
Ayres Britto foi incisivo: “O
torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime
político. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado”.
O Supremo errou, mas é o
mais alto tribunal do país. Na forma da Constituição, diz a palavra final.
Assim sendo, mesmo
discordando, temos de aceitar o supremo erro da suprema corte.
Juridicamente, não podemos
impugnar a decisão. Só a História poderá fazê-lo. A História é implacável,
motivo pelo qual até hoje Piltatos é símbolo do juiz covarde.
Vamos tentar esclarecer as
razões que nos autorizam rechaçar a esdrúxula interpretação dada pelo STF à Lei
da Anistia.
O Supremo fundamentou seu
entendimento no princípio da segurança jurídica que estaria abandonado se
deixasse ao desamparo da anistia os torturadores.
Segurança jurídica a
proteger a tortura, que absurdo! O que a consciência nacional reclamava é que o
Supremo tivesse a coragem de decidir: “Tortura não é crime politico, os
torturadores não foram anistiados. Nenhuma situação política justifica ou
autoriza torturar um ser humano.”
Mas voltando ao início do
artigo: à face da soberana decisão do Supremo, que papel pode ser desempenhado
pela Comissão da Verdade?
Vejo dois objetivos que
devem ser perseguidos pelas Comissões Estaduais da Verdade e pela Comissão
Nacional da Verdade:
- primeiro objetivo –
descobrir a verdade, revelar a verdade principalmente para os jovens porque a
História não se pode perder e mesmo os erros devem ser conhecidos para que não
sejam repetidos; um povo que não conhece seu passado, quer o passado de
glórias, quer o de ignomínias, não saberá construir o futuro; é preciso
descerrar a cortina que encobriu os crimes da ditadura;
- segundo objetivo – dar a
palavra aos torturados, permitir que manifestem a revolta à face do que
sofreram, pois um sofrimento suplementar que lhes foi imposto consistiu no
silêncio a que foram submetidos. A Bíblia, que é um livro sábio, diz que a
palavra liberta (João, 8, 32). O direito de falar, que lhes foi negado, as
Comissões da Verdade devem lhes restituir.
João
Baptista Herkenhoff é Juiz de Direito aposentado e escritor. Foi um dos
fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese
de Vitória do Espírito Santo.
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage:
www.jbherkenhoff.com.br
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