quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Caro colunista de “Victor Hugo”, de A Gazeta,

                        Gilvan Vitorino C. S.
Em sua coluna, dia 23 de outubro de 2011, você mostrou o problema da conta que não fecha – “Haja cadeia para tanto preso no Estado”. Trata-se de importante problema que precisa urgentemente ser enfrentado.
Em seguida, no mesmo dia, em “Efeito do tráfico”, você enceta que o aumento do número de pessoas presas, chegando a 1/3 dos detentos, poderia ser atribuído ao tráfico de drogas.
Em setembro, conforme o Relatório da SEJUS (disponível em www.sejus.es.gov.br), havia 32,34% de presos por tráfico e associação para o tráfico (art. 33 e art. 35 da Lei 11.343/2006). De fato, próximo de 1/3 como você escreveu.
Todavia, esses números podem esconder algo muito importante.
A Lei 11.343/2006 descriminalizou a conduta do uso da droga. Pelo seu art. 28, ela prescreve:
Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
[...]
§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
[...]

Ora, como devem proceder as autoridades que servem no trabalho de persecução penal – policiais, promotores, juízes, etc – para aferir se a conduta é de uso ou de tráfico de drogas?
Veja o parágrafo 2° da lei acima, estimado colunista: ele prescreve a maneira de fazer-se a distinção. Segundo o prescrito, “o juiz [mas, também, o policial, o promotor, etc] atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”.
Então, diante do que prescreve a Lei de drogas, temos que levar em consideração algo frequentemente desprezado: trata-se mais de um problema de criminalização do que de criminalidade. Ora, o uso de drogas já não é mais crime!
Mas, o que tem acontecido?
Dependendo do bairro onde é feita a abordagem policial, da escolaridade do indivíduo abordado, da cor da sua pele, da qualidade da sua vestimenta, da sua linguagem, dependendo de muitos fatores de valoração demasiadamente subjetiva, tratar-se-á de um usuário de droga ou de um traficante.
Então, uma parte (embora não seja possível dizer quanto) do contingente preso por tráfico ou associação para o tráfico é, na verdade, de usuários de droga. E, sendo usuários, nem sequer poderiam ser presos!
Estimado Leonel Ximenes,
Um fato que presenciei em Cachoeiro de Itapemirim, o qual narrei em texto postado no Blog www.porummundosemprisoes.blogspot.com, ilustra bem o que escrevo:
O ambiente de uma Delegacia de Polícia é sempre tenso.
[...]
De quinta a sexta feira, passadas, estivemos em Cachoeiro de Itapemirim.
[...]
Na quinta, depois de uma boa reunião com os companheiros daquele município, fomos à Delegacia de Polícia. Subíamos para a carceragem quando ouvi gritos vindos lá de baixo. Logo na entrada, há uma ante sala que fica entre duas celas. Ali se fazia a revista de um preso, não sei por qual motivo, negro.
Eram gritos violentos, com xingamentos...
Desci.
Fiquei ao lado da porta.
Lá dentro, dois policiais civis terminavam o procedimento (o legal e o ilegal).
Fora, já aguardando há não sei quanto tempo, havia duas jovens: rosto de frente para a parede, em pé.  Logo vi um cabo da Polícia Militar dizer que elas haviam sido presas porque uma delas estava com 02 pedras de crack e 60 Reais, enquanto a outra cometera o “crime” de estar com a colega de programa (pois foi isso que elas disseram que faziam: além de viciadas em crack, faziam “programas”).
02 pedras e 60 Reais.
Como é que aqueles policiais presumiram que aquelas jovens eram traficantes? Trata-se de uma incriminação comum por aí... Até mesmo a Lei 11.343/2006 – Lei anti drogas – em seu art. 28, §2°, lamentavelmente, dá azo para que seleção discriminatória como esta aconteça. Diz o texto legal:
Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Ora, então, o problema não é o que se faz com a droga (se é usada ou traficada), mas quem e onde faz!
02 pedras!
                        [...]
Então, meu caro colunista, muitas vezes nos referimos àqueles que estão presos segundo o que entendemos sobre criminalidade, quando, na verdade, trata-se de um fenômeno de criminalização, ou incriminação, seguindo o conceito utilizado por Michel Misse.

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