João Baptista Herkenhoff
A Corregedoria de Justiça do
Rio Grande do Sul determinou a retirada dos crucifixos, nos fóruns do Estado,
sob o argumento de que a presença do Crucificado, num local que é símbolo
republicano, agride a separação entre Igreja e Estado.
Vamos refletir sobre o tema.
O Crucifixo nos tribunais
relembra o julgamento a que o Cristo foi submetido. Não houve processo, com
direito de defesa, mas puro arbítrio. Diante da multidão, Pilatos, num ato de
covardia, lavou as mãos.
Se a pregação de Jesus
Cristo tivesse apontado para as nuvens, sem atinência com a realidade social,
ele não teria sido crucificado: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por
causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”
Ligando o Cristo histórico e
eterno aos dias atuais, socorra-nos a reflexão do advogado gaúcho Jacques Távora
Alfonsin:
“É isso que acontece quando
os preconceitos ideológicos e culturais, que viciam a interpretação das leis
contra pobres e marginalizados, ignoram as flagrantes e injustas condutas
denunciadas pelas palavras do Condenado Inocente. Esse estabeleceu, como
parâmetro do julgamento justo, precisamente o reconhecimento
ético-político-jurídico da dignidade humana.”
A questão do Crucifixo nos tribunais
ultrapassa os limites de uma discussão meramente acadêmica.
Como Juiz de Direito vivenciei
uma situação na qual a imagem do Crucificado, rompendo filigranas jurídicas,
foi na verdade indispensável para o proferimento da sentença.
Neuza, uma empregada doméstica,
estava presa em Vila Velha, sob a acusação de que cometera crime de furto na
casa onde trabalhava. Tinha tirado de uma caixa, onde havia mais dinheiro, o
valor de uma passagem de trem para regressar à casa da mãe em Governador
Valadares. Agiu assim depois que os patrões se recusaram a lhe pagar pelo menos
os dias trabalhados, alegando que ela só teria direito de receber salário ao
completar um mês de serviço.
Humilhada, Neuza chorou durante
a audiência.
Eu a pus em liberdade. Mas
não é pelo fato de ter libertado a acusada que a decisão tem atinência com o
tema deste artigo.
O que estabelece o liame
entre a libertação da acusada e o Crucifixo foi o fundamento que justificou a decisão:
“Lamento que a Justiça
nãoesteja equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que acompanhasse
esta moça e a ajudasse a retomar o curso de sua jovem vida. Se assistente
social não tenho, tenho o verbo e acredito no poder do Verbo porque o Verbo se
fez carne e habitou entre nós. Invoco o poder deste Verbo, dirijo a Deus este
verbo e peço ao Cristo, que está presente nesta sala, por Neuza. Que sua lágrima,
derramada nesta audiência, como a lágrima de Madalena, seja recolhida pelo
Nazareno.”
Não teria sido possível proferir
esta sentença se não estivesse ali o Cristo Crucificado.
A sala de audiências estava cheia
nesse dia. Alguém recolheu o dinheiro para a moça comprar a passagem. Esse
gesto espontâneo teve a força de um referendo popular ao julgamento proferido.
Cristo nos tribunais é
também uma advertência. Os agentes da Justiça devem manter uma conduta ilibada
para não profanar a efígie do Crucificado.
João
Baptista Herkenhoff é professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo e
escritor.
E-mail:
jbherkenhoff@uol.com.br
Homepage: www.jbherkenhoff.com.br
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