sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Algemas que constrangem, mas não calam

                        Gilvan Vitorino C. S.

O episódio do dia 12/12/2011, tal como apresentado por A Tribuna do dia seguinte, envolvendo um advogado e agentes penitenciários da SEJUS, sobre o uso de algemas, merece reflexão. O fato ocorreu numa sala de audiências, no Fórum de Cariacica, diante de um... juiz.

Ora, afinal, quando, em que circunstâncias, é lícito fazer uso de algemas contra um indivíduo?

Para o presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB-ES, Rivelino Amaral, como noticiou este jornal, “o uso e a permanência de algemas em audiência são decididos pelo juiz [...].” Mas, indaga-se, o que isto significa? O uso de algemas depender  do juiz significa o quê? Seria tratar-se de uma faculdade do magistrado, como se nosso Ordenamento Jurídico nada prescrevesse acerca do assunto?

O ilustre colega presidente de Comissão nada acrescentou em matéria de Direito. Esqueceu a Constituição Federal e a decorrente Súmula Vinculante n° 11 do STF. Sua declaração teria o mesmo efeito de dizer que o tratamento dado a um preso por um agente penitenciário depende do agente. Ora, ações sempre dependerão do sujeito que as pratica. Todavia, o fato de uma conduta ocorrer não significa que ela seja a ação correta.

O que está em jogo é, não se um juiz age dessa ou daquela maneira (bem como agentes penitenciários, promotores, etc), mas, como deveria agir.

Temos norma jurídica que disciplina o uso de algemas!

A Súmula Vinculante n° 11 do STF não prescreve uma faculdade a quem quer que seja quanto ao uso de algemas. Algemar um indivíduo, sendo condenado ou não, na rua ou em sala de audiências, é lícito somente em excepcionais circunstâncias – podendo o agente perpetrador da violência incorrer no crime de abuso de autoridade, conforme Lei 4.898, de 09 de dezembro de 1965.

A regra é a não utilização de algemas! E, por tratar-se de exceção, a norma veiculada por esta Súmula impõe a devida justificação, com fundamentação, por escrito (o que torna o ato apto ao controle administrativo e judicial, permitindo-se a aferição da sua licitude). Eis o texto desta Súmula: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Portanto, somente em excepcionais casos se pode fazer uso de algemas. E, havendo o uso, deverá haver a devida justificativa. Assim, a falta de justificativa, por escrito, permite presumir a ilegalidade do ato.

(Em tempo: tratando-se de adolescentes, a restrição ao uso de algemas é ainda maior, como prescrevem as Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de sua Liberdade, adotadas pela Assembléia Geral em sua resolução 45/113 de 14 de dezembro de 1990)

Ora, proteger o indivíduo contra tamanha violência (grave violência, pois o uso de algemas não é feito somente para a neutralização do indivíduo, mas, comumente, para a inflição de dor)  deve ser preocupação de toda a sociedade; mais ainda deve ser preocupação do juiz, cuja principal atividade consiste em conter o poder punitivo (Zaffaroni e Nilo Batista).

E, por fim, alguém poderia perguntar: “era necessário que aquele advogado interviesse na questão?” Ao que respondo: se, naquela audiência, com várias autoridades que deveriam zelar pela dignidade humana, não tivesse havido tamanha omissão, o advogado poderia ter-se dado o prazer de somente observar o feito.










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