A respeito de fato rumoroso, que aconteceu no Espírito Santo, faço uma reflexão que me parece pertinente em qualquer lugar e a qualquer tempo.
Desejo partilhar com os leitores os pensamentos que me assaltaram e que ainda repercutem em minha consciência.
A hipocrisia da sociedade é, às vezes, revoltante.
Não vejo nenhuma reação social à exibição de atrizes nuas, rodopiando sensualmente em canais abertos de televisão, em horários franqueados a todas as idades.
Interesses comerciais altíssimos estão em jogo nesses casos. O lucro é franquia para qualquer comportamento, mesmo aqueles que agridem nossos filhos, nossas filhas, nossos netos, nossas netas.
Os artigos da Constituição Federal que determinam tenha a televisão finalidade educativa, com a criação de um Conselho Nacional de Comunicação Social, formado por representantes da sociedade civil, ainda dependem de efetivação honesta, não obstante a Constituição tenha ultrapassado vinte anos de vigência. A regulamentação séria e a execução independente desses artigos reduz o lucro e ai de quem queira mexer com o “deus lucro”.
Não se vê qualquer relação (ou se vê, mas se finge não ver) entre a cena da atriz nua que rodopia com luxúria diante de milhões de pessoas e a cena da pobre Leidiane, que também rodopia, igualmente nua, diante de um público de, quando muito, duas centenas de pessoas.
O fato, que aconteceu em Vitória, teve repercussão nacional.
Leidiane rodopiou para ganhar setecentos reais. Viúva, com três filhos, tendo ainda sob responsabilidade a Mãe, foi tentada pela promessa de recompensa.
Quem são os responsáveis por esses bailes que propiciam clima para essas coisas? Quais os interesses econômicos que estão atrás de tudo?
A sociedade está preocupada em exaltar valores positivos, em formar a juventude, em assegurar escola pública de ótima qualidade para todos? A sociedade está engajada no esforço de formar cidadãos e cidadãs que encontrem seu lugar no mundo? A sociedade está abrindo canais de esperança e de futuro para milhões de pessoas que suplicam por uma oportunidade de trabalho? Ou a sociedade só sabe levantar o braço pedindo que Madalena seja apedrejada?
No dia mesmo em que estourou o caso pela imprensa, eu supliquei:
Não apedrejem Leidiane.
Eu me solidarizo com essa moça e com sua família. Eu me solidarizo com a Mãe de Leidiane, que teve uma crise nervosa na Delegacia, vendo a filha ser fotografada e filmada.
Não pode um gesto impensado destruir a vida de uma jovem, comprometendo inclusive o sossego de seus filhos, ainda pequenos.
Temos de defender valores morais, sim. Temos de velar para que o sexo não seja banalizado. Mas temos de ter misericórdia também.
A lei não existe para ser interpretada friamente. Em alguns momentos é preciso que o intérprete pouse sobre a lei um olhar de ternura.
João Baptista Herkenhoff, 75 anos, magistrado (aposentado), professor (em atividade) na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo. Autor de: Curso de Direitos Humanos (Editora Santuário, Aparecida, 2011).
E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br
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