Gilvan Vitorino C. S.
O local onde esperava para fazer o exame era um quarto coletivo, com três camas-maca. Para ali eram encaminhados os pacientes que fossem submeter-se a cirurgias ou exames de algum risco.
Chegara cedo, mais cedo do que o necessário, mas, menos cedo do que pretendera. Era assim, sempre foi assim... Agora, padecia de ansiedade maior do que a que tivera em toda sua vida. Depois de responder algumas perguntas de praxe e de assinar um termo confirmando estar ciente do procedimento, eu o acompanhei até o quarto.
Deitou-se. Um simpático e atencioso enfermeiro veio ao seu encontro. Enquanto conversava com aquele velho paciente, a fim de distraí-lo – acho que era pra isso –, procurava no seu braço, um braço magro, já mais magro do que nos tempos dos seus poucos anos, uma veia para aplicar-lhe o soro. Encontrou veia teimosa, mas introduziu-lhe, mesmo assim, a agulha.
Antes disso, é preciso dizer que aquele senhor já estava só de avental na cama-maca... talvez por isso devesse até estar incomodado, pouco à vontade. Mas, não, mesmo naquela vestimenta típica de hospital, como se fosse um camisolão – na verdade, um camisolão -, parecia tranquilo, sorridente até, disposto a uma piadinha. Podendo ser uma brincadeirinha com alguém que estivesse por ali, ou fazendo-se tema ele mesmo.
No termo de consentimento devidamente assinado pelo paciente e por seu acompanhante, lia-se que tal exame não oferece muito risco, mas, em casos muito raros, menos de um por cento, pode ocorrer alguma complicação, a ponto de exigir rápida intervenção médica, ou até a morte.
Mesmo assim, o senso de humor dele era de impressionar. Brincava com coisa banal e com coisa séria. Parecia até ser amigo íntimo do enfermeiro...
O enfermeiro se aproximou dele e o avisou que era preciso fazer uma depilação na região da virilha. Com uma maquininha, então, pôs-se a retirar aqueles pêlos já descoloridos pela idade.
Interrompeu-o o paciente:
— Rapaz, cuidado com isso, se não você vai cortar a minha bichoca.
— E, se eu cortar, o que tem de mal? Pra que o senhor precisa disso? O senhor não usa isso pra nada mesmo... - brincou o rapaz. — Ou será que ainda usa? – provocou.
— Se uso? Claro que uso. Isso mija que é uma beleza.
E o tempo ia passando e ele, agora, já mostrava sinal de impaciência, verificando as horas no seu velho relógio, com freqüência além do normal. E resmungava, dizendo já ter passado da hora de iniciar o procedimento.
Não demorou muito e o bom rapaz o levou para o centro cirúrgico, onde seria feito o exame. Mas, não mais que uma hora depois, já voltava para o quarto aquele paciente. Voltou na mesma cama-maca.
Logo logo, teve vontade de mijar. Chamou o enfermeiro e pediu-lhe para ir ao banheiro.
— Não, o senhor não pode se levantar. Tem que usar o patinho.
— Ah, o patinho. Então me dá que eu vou mijar no bico dele – encetou o velho.
Foi risada no quarto todo.
E não parou por aí:
— Já que eu não afogo mais o ganso, vou afogar o patinho!
E, o melhor de tudo, aquele senhor, já de setenta e poucos anos, parecia satisfazer-se com suas gracinhas mais do que os próprios companheiros de quarto. Aquilo era, talvez, uma forma de amolecer a vida dura que os anos insistem em infligir aos que ousam viver um pouco mais...
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